Política

Carta aos parentes e amigos que votaram e votam nele

Confesso que tentei, em vão, convencer alguns a mudar de voto

Carta aos parentes e amigos que votaram e votam nele
Carta aos parentes e amigos que votaram e votam nele
O líder supremo
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Interior do Brasil, 20 de outubro de 2019,

Mando esta carta para que usem como prova de que nunca imaginaram realmente em votar em outro além dele.  Os interrogatórios começaram ontem e pedem que eu indique aqueles que tentavam me ajudar a convencer outros a não votar nele ou que, por influência minha e deles, foram convencidos a votar no Haddad e não nele.

É verdade que eu tentei mudar a opinião de vocês, mas sei que não consegui. Nem mesmo meus parentes e amigos que são artistas, cristãos e religiosos em geral que abominam a tortura, ou professores que acham que conhecem a história do Brasil e a saída de nossos problemas, ou policiais que tem medo da liberação do uso de armas, para não falar dos petralhas comunistas, todos os meus parentes e amigos perceberam antes de 27 de outubro de 2018, há quase um ano atrás, que deviam votar nele e não em Haddad.

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É verdade que tentei mostrar aos empresários da família que o programa econômico daquele que até então eu chamava de “Bolso” no Facebook (os agentes aqui têm prints de todos os meus posts e artigos) e não de Supremo Líder, Jair Bolsonaro, não iria melhorar por muito tempo a situação.

É verdade que a Bolsa de Valores bombou até o mês passado com as privatizações anunciadas, mas os cortes do investimento público em saúde e educação e o fim do Minha Casa, Minha Vida limitaram as vendas e os lucros dos empresários que não produzem nem vendem armas.

O Paulo Guedes afirmou que os cortes eram um efeito inevitável da emenda constitucional do teto do gasto público e do aumento dos gastos com armamentos aqui e na guerra contra a Venezuela, mas que a situação vai melhorar em breve, como melhorou muito no setor de armamentos. Como eu sempre afirmei, quando o Estado gasta, alguém recebe, e não é em Marte, né?

Confesso que falei isso, mas não consegui convencer ninguém. É verdade que eu dizia também que a queda dos salários e dos direitos trabalhistas iria reduzir os custos dos empresários no primeiro mês, mas manter a demanda por alimentos, cervejas, roupas, material de construção, carros e telefones crescendo ainda menos do que antes, e muito menos do que quando Lula era presidente. Quando o trabalhador vira consumidor e gasta, alguém recebe, e não é em Vênus, de modo que fica mais fácil para todos pagarem as dívidas com os bancos, certo?

Felizmente não convenci vocês. Nem mesmo quando mostrei que o Supremo Líder, como o filho, dizia que ia mudar o Supremo Tribunal Federal, ou melhor, ampliar o número de ministros de 11 para 21, como forma de “dar um recado” ao Supremo e “botar dez isentos lá dentro”.

Felizmente a corrupção acabou, algumas das investigações de corrupção que existiam foram concluídas rapidamente e novas denúncias pararam de surgir. Como na ditadura anterior, a limpeza foi feita.

A nomeação do novo procurador-geral (fora da lista dos próprios procuradores) permitiu o arquivamento de denúncias de alguns procuradores (contra o Paulo Guedes e o Supremo Líder) que, no fundo, eram adeptos da conspiração comunista contra o novo regime.

Não convenci vocês nem quando mostrei o vídeo do candidato Bolsonaro, no último domingo antes da eleição, berrando exatamente um ano atrás que “a faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser que ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão pra cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria… Será uma limpeza nunca visto (sic) na história do Brasil… Vocês, petralhada, verão uma polícia civil e militar, com retaguarda jurídica pra fazer valer a lei no lombo de vocês… A Folha de S. Paulo é o maior (sic) fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo. Imprensa livre, parabéns. Imprensa vendida, meus pêsames.”

O que mais sinto saudade é da família. Confesso que eu disse que muitos de nossos tios teriam morrido, e muitos de nossos primos não teriam nascido, caso Bolsonaro tivesse comandado a antiga ditadura, que ele defendia publicamente que devia ter matado uns 30 mil e não só torturado.

Não falei, porém, duas coisas que podiam ter convencido vocês. Primeiro, que meus avôs também teriam morrido, pois esconderam uns dias um padre que fugia da perseguição da ditadura antes ir para o exílio.

 E que meu pai poderia ter morrido por outro motivo. Ele tinha um revólver e resolveu abrir a porta de casa em uma madrugada há 40 anos, atirando em direção ao ruído que ouvia na garagem. Felizmente ele errou o tiro e não matou o vigia da rua, um pai de família que resolvera fechar a janela do carro para que não fosse encharcado pela chuva de Manaus.

Ainda bem que não era um ladrão, que teria reagido matando meu pai. Garanto que ele já mudou de ideia de novo e voltou a defender a liberação do porte de armas que era quase a única proposta popular que o Supremo Líder resolveu debater na campanha eleitoral no ano passado.

Dou fé do que escrevo. Vocês não serão perseguidos porque não vou dedurar ninguém.

Brasil, ame-o ou deixe-o.

Saudações nacionalistas,

Pedro Paulo Zahluth Bastos

Ex-professor universitário, ex-eleitor de Haddad, ex-agente infiltrado da URSAL no Brasil que confessou seus crimes e está em testes para entrar, ou não, nos processos de reeducação.

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