Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Fadiga geral

Os campeões de vôlei Douglas Souza, de 26 anos, e Natália Zilio, de 32, anunciaram a aposentadoria da Seleção. Douglas diz querer cuidar da saúde mental

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Foto: Gaspar Nóbrega/COB
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Que esta seja a última guerra. A preservação do meio ambiente e o fim da guerra são questões de sobrevivência. É claro que isso é utópico. Mas a utopia também é necessária à preservação da vida.

Neste caminho por onde vamos, a vida humana tem sido completamente desconsiderada. Vemos levas de gente abandonada pelas ruas e de flagelados de todos os tipos marchando por caminhos incertos.

Nesta semana, Pepe Mujica, o líder uruguaio, expressou-se assim: “Seguimos na pré-história”.

Na coluna anterior, falei dos efeitos deste momento sobre o esporte.

Entre o desabafo e a indignação, os limites vão se estreitando. Não é por acaso que vemos vários casos de distúrbios de comportamento entre desportistas de diferentes modalidades.

Na semana passada, o campeão de vôlei Douglas Souza, de 26 anos, anunciou que vai se aposentar da Seleção Brasileira. Douglas foi campeão olímpico em 2016 e decidiu deixar as quadras para se dedicar mais à sua saúde mental. “Chegou um ponto que meu corpo e mente começaram a dar sinais de que eu precisava dar uma diminuída no ritmo”, escreveu ele, no Instagram.

Poucos dias antes, tinha sido a vez de Natália Zilio, campeã olímpica em Londres 2012, dizer que deixaria o esporte. Quando a notícia vazou, Natália alegou questões pessoais e disse que já havia comunicado a decisão ao técnico José Roberto Guimarães, da Seleção de Vôlei feminino. Natália tem 32 anos.

Falando agora do futebol, tema inescapável por aqui, lembro que, enquanto vão se acabando a Copa do Nordeste e outros desvalorizados campeonatos estaduais, o espanto maior dos últimos dias ficou por conta da desclassificação da Itália para o Mundial no Catar.

Está mesmo tudo de cabeça para baixo. Pela segunda vez consecutiva, um dos mais tradicionais vencedores de Mundiais fica fora do torneio. Desta vez, de maneira chocante. A Itália foi vencida pela incógnita Macedônia do Norte por 1 a 0, no Estádio Renzo Barbera, em Palermo, pela repescagem das Eliminatórias Europeias.

A mim interessa saber a opinião da mídia italiana sobre as razões de tamanho vexame. Ao que parece, trata-se de uma questão de poder na federação italiana. A seleção do país sofreu uma queda vertiginosa em poucos meses, passando da posição de melhor seleção europeia, campeã da Eurocopa, à situação de jogar oito partidas sem fazer um único gol.

A Macedônia, em seguida, foi vencida pela seleção portuguesa, que está classificada para o Catar com mais cinco seleções africanas também vitoriosas na fase preliminar.

A Seleção Brasileira, por sua vez, encerrou a fase de classificação da Copa de 2022 passeando na altitude de La Paz e repetindo a goleada de quatro gols contra a Bolívia, já desclassificada.

O time pode jogar sem a pressão exercida nos jogos para valer. A estratégia adotada, de tocar a bola em espaços curtos, era mais que necessária em razão da altitude elevada.

Esse assunto rendeu muita polêmica em outras ocasiões. Lembro dos comentários do saudoso Maradona defendendo o direito de os países montanhosos jogarem em seus domínios. Eu, do meu lado, penso ser desnecessário submeter os jogadores ao sacrifício, e mesmo ao risco, de se forçar essa “vantagem”.

Quando Maradona disse isso, eu fazia o curso de Medicina Esportiva. Naturalmente, o tema foi motivo de ­debate. Tínhamos um colega que estava trabalhando na Seleção e ele falou sobre a dúvida de poupar ou não o querido e não menos saudoso Sócrates, que, certamente, teria dificuldade nas alturas bolivianas em razão de suas condições físicas.

Penso que a saída seja exatamente essa encontrada por Tite. Primeiro, é importante que os jogadores cheguem ao lugar em cima da hora do jogo, sem que haja tempo para que a oxigenação seja diminuída pela rarefação do ar na altitude.

Depois, evitar os grandes espaços e o consequente desgaste desse tipo de posicionamento. Difícil é precisar de resultado nas condições adversas dos jogos nas alturas.

Mas, justamente por não precisar se preocupar com o resultado, a comissão técnica pôde poupar os jogadores mais desgastados e dar oportunidade a novos valores, testando alternativas que aumentem o repertório da Seleção.

Agora restam os amistosos de preparação, quando, já às portas do Mundial, Tite terá de definir o time-base. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1202 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Fadiga geral”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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