Política

assine e leia

Marielle, quatro anos no escuro

A investigação passou por três diferentes grupos de promotores e cinco delegados, sem esclarecer quem é o mandante do crime e sua motivação

Marielle, quatro anos no escuro
Marielle, quatro anos no escuro
Imagem: Fernando Frazão/ABR
Apoie Siga-nos no

O brutal assassinato de Marielle Franco completou quatro anos na segunda-feira 14, mas as investigações conduzidas pelo ­Ministério Público fluminense e pela Polícia Civil foram incapazes de apontar o mandante do crime e qual teria sido a motivação. A vereadora do PSOL foi executada a tiros durante um ataque ao carro que a transportava, na região central do Rio de Janeiro. O motorista Anderson Gomes também morreu no atentado.

Dois ex-policiais militares foram apontados como executores do duplo homicídio: ­Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa – este último, um vizinho de Jair Bolsonaro no Condomínio Vivendas da Barra. A dupla está presa em penitenciárias federais e nega as acusações. Os denunciados serão levados a júri popular, mas o julgamento ainda não foi marcado. Segundo a Promotoria, Lessa efetuou os disparos com uma submetralhadora, enquanto Queiroz dirigia o veículo que emparelhou com o carro de Marielle.

Suspeita-se do envolvimento de milícias no crime, mas até agora nada ficou comprovado. O ex-vereador Cristiano Girão, antigo chefe da milícia da Gardênia Azul, chegou a ser apontado como possível mandante. Em 2019, a Procuradoria-Geral da República apresentou denúncia contra Domingos Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado, por tentar obstruir as investigações. Ambos negam as acusações.

As investigações do caso passaram por cinco delegados na Polícia Civil e três grupos diferentes de promotores. As trocas sempre ocorreram em circunstâncias pouco transparentes. Para reforçar a angústia dos amigos e familiares da vereadora assassinada, as promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile pediram, em julho de 2021, para deixar a força-tarefa do Ministério Público, devido a “interferências externas” na apuração.

O caso segue sob responsabilidade do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP fluminense, e da Polícia Civil. Mas, até agora, os investigadores nem sequer concluíram se o crime teve ou não motivação política. Tampouco foram capazes de descobrir o paradeiro da arma usada no crime. “Temos que lutar pela memória da Marielle, assim como por um ­país e um Rio de Janeiro que não venham a perder novas Marielles”, desabafou, no Twitter, o deputado Marcelo Freixo, amigo e padrinho político da vereadora. “O que está em jogo é a sua memória, é a saudade e o desejo por um mundo mais justo a todos.”

Pato Donald intimado

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, solicitou esclarecimentos ao Ministério da Justiça, na ­segunda- -feira 14, sobre o processo de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Alvo de inquéritos que tramitam na Corte sobre a difusão de fake news e a organização de atos antidemocráticos, Santos está foragido nos EUA desde outubro de 2021, quando o magistrado ordenou a sua prisão preventiva, bem como a extradição e a inclusão de seu nome na lista vermelha da Interpol. O foragido chegou a participar de eventos na companhia de ministros de Bolsonaro e não se cansa de debochar de Moraes. Recentemente, gravou um vídeo em frente à Disney e sugeriu que o ministro pedisse ajuda ao Pato Donald para encontrá-lo nos EUA.

Obituário/ Partida impune

Morre Cabo Anselmo, o mais famoso agente duplo da ditadura

O infiltrado ainda tentou pegar carona na Lei de Anistia e pediu indenização ao Estado brasileiro – Imagem: Alexandre Resende/Folhapress

Morreu na terça-feira 15, aos 80 anos, José Anselmo dos Santos, conhecido como Cabo Anselmo, o mais famoso agente duplo da ditadura. O militar estava internado em um hospital na cidade de Jundiaí, no interior de São Paulo, tratando complicações de um cálculo renal. Um dos líderes da Revolta dos Marinheiros nos dias que antecederam o golpe de 1964, ele foi expulso das Forças Armadas e preso no início do regime militar. Ao ser libertado, refugiou-se no Uruguai e, depois, em Cuba, onde recebeu treinamento de guerrilha. Ao retornar ao Brasil, passou a militar em grupos armados de esquerda, mas logo se tornou um colaborador da ditadura.

Entre os serviços sujos prestados ao regime, Cabo Anselmo atraiu seis colegas da Vanguarda Popular Revolucionária para uma emboscada, em janeiro de 1973, na Chácara São Bento, na Região Metropolitana do Recife. Os agentes da repressão executaram todos os participantes do encontro, inclusive a paraguaia Soledad Barret, companheira de Cabo Anselmo que esperava um filho dele. Na autobiografia Minha Verdade, lançada em 2015, o agente infiltrado disse que o temido delegado Sérgio Paranhos Fleury havia prometido que Soledad seria poupada, mas o acordo não foi honrado.

O ex-marinheiro viveu clandestinamente por longos anos, chegou a fazer cirurgias plásticas para não ser reconhecido e, em 2004, tentou pegar carona na Lei de Anistia, solicitando indenização ao Estado. Com o pedido negado, Cabo ­Anselmo recorreu da decisão no governo Temer, mas voltou a ter a solicitação recusada. Mais recentemente, em 2020, com Jair Bolsonaro no poder, tentou reabrir o processo, mas não logrou êxito. Morreu solitário, mas impune, como ocorreu com quase todos os carniceiros da ditadura.

Rindo sozinho

Enquanto jogava confetes para Jair Bolsonaro, Danilo Gentili foi incensado pela militância bolsonarista, sobretudo após lançar o filme Como se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017), um besteirol destinado a combater o discurso “politicamente correto”. Agora, que flerta com Sergio Moro e a turma do MBL, a maré virou. Desde que o longa estreou na Netflix, Gentili passou a ser acusado de incentivar a pedofilia, por conta de um personagem que assedia estudantes na trama. O ministro da Justiça, Anderson Torres, decidiu, numa canetada, censurar a obra no streaming. O deputado-pastor Marco Feliciano, por sua vez, deletou uma antiga postagem elogiando o filme. Diz não se lembrar da cena. “Devo ter saído para atender o telefone.” Isolado, Gentili agora se gaba de ter incomodado petistas e bolsonaristas. “Nenhum comediante desagradou tanto quanto eu. Sigo rindo.” Sozinho.

Colômbia/ Esquerda, volver!

O ex-guerrilheiro Gustavo Petro conquista avanço histórico no Congresso

Petro é o favorito na corrida presidencial – Imagem: Colombia Humana 2022

O senador e ex-guerrilheiro ­Gustavo Petro foi o grande vencedor das eleições legislativas na Colômbia: não apenas conquistou a indicação da coalizão de esquerda Pacto Histórico para as eleições presidenciais de 29 de maio, como também liderou o avanço inédito do grupo no Congresso.

Nas primárias, Petro recebeu 4,4 milhões de votos, contra 778 mil da ambientalista­ Francia Márquez, e obteve a indicação do Pacto Histórico para a candidatura presidencial. Ao mesmo tempo, a aliança liderada por Petro tornou-se a principal força do Senado, ao lado dos conservadores, com 16 cadeiras cada. Na Câmara dos Deputados, a coalizão de esquerda conquistou 25 das 188 vagas, empatando com os conservadores, e atrás apenas dos liberais, outra força tradicional, com 32 cadeiras.

Favorito na disputa presidencial, Petro foi prefeito de Bogotá e um ardoroso defensor do acordo de paz do Estado colombiano com as Farc, assinado em 2016 pelo então presidente Juan Manuel Santos. O hoje senador também atuou na luta armada, pelo M-19, que migrou para a política institucional nos anos 1990. O triunfo de Petro representa, ainda, um duro revés para o Centro Democrático, partido fundado pelo ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010). Ele conseguiu eleger o sucessor Iván Duque, em fim de mandato com elevado índice de impopularidade.

Assange perto da extradição

A Suprema Corte do Reino Unido comunicou, na segunda-feira 14, que não deve aceitar um recurso apresentado pelo criador do WikiLeaks, Julian Assange, para evitar a sua extradição para os EUA, onde é acusado de violar uma lei de espionagem e de conspirar contra o governo. Em primeira instância, a juíza responsável pelo caso negou o pedido das autoridades ­norte-americanas, por entender que Assange poderia se suicidar com a transferência. Em dezembro, a segunda instância refutou, porém, os argumentos da defesa e manteve a extradição. Com o aval da Suprema Corte, o procedimento só precisa ser ratificado pela secretária britânica do Interior, Priti Patel, que dificilmente vai se contrapor ao pleito dos EUA.

Peru/ Os golpistas se assanham

Em apenas oito meses, Castilho é alvo de processo de impeachment

O presidente é mal-avaliado, mas a rejeição ao Congresso é maior – Imagem: Aldair Mejia/Presidência do Perú

Pedro Castilho mal teve tempo de se acomodar na Casa de Pizarro, a sede do governo peruano. Oito meses após vencer as eleições presidenciais em primeiro turno, o ex-guerrilheiro tornou-se alvo de um processo de ­impeachment. O Congresso do Peru, de maioria conservadora, aprovou a análise de uma “moção de vacância” por 76 votos favoráveis, 47 contrários e uma abstenção. Trata-se do mesmo dispositivo usado na destituição de Pedro Pablo Kuczynski, em 2018, e de Martín Vizcarra, em 2020.

A oposição alega “incapacidade moral” de Castillo para ocupar o cargo após ele cogitar a realização de um referendo para conceder uma saí­da ao mar à vizinha Bolívia, um país sem costa. Bastou o presidente mencionar essa possibilidade para ser acusado pelos golpistas de plantão de “traição à pátria”. Desde o início do governo, Castilho sofre o boicote sistemático do Legislativo. Agora, cerca de dois terços do eleitorado reprovam a sua gestão, mas o Congresso está ainda mais desprestigiado: tem uma rejeição popular de 70%, segundo o instituto de pesquisas Ipsos.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1200 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo