Economia

Queda no apoio da classe média alta a Bolsonaro é profunda e irreversível, diz pesquisa

Nem a turma do ‘Fora Dilma’ e do apoio entusiasmado ao ‘Posto Ipiranga’ escapa do desastre produzido pelo governo

Vender o almoço para comprar o jantar. Os restaurantes caros sentem o impacto da pandemia e do “empobrecimento” da clientela- Imagem: Alexandre Macieira/RioTur
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Apesar das oscilações positivas recentes na aprovação a Jair Bolsonaro captada em pesquisas recentes, dentro da margem de erro, a perda do apoio à sua recondução por parte da chamada classe média alta é profunda e irreversível até outubro, por refletir abalos econômicos e sociais de grande monta causados pela péssima gestão da economia e da pandemia, sugere pesquisa inédita com foco nesse segmento social realizada pelo economista Waldir Quadros, aposentado da Unicamp e professor da Facamp, obtida por CartaCapital. Para os mais vulneráveis, a política econômica e sanitária foi uma “hecatombe”, mostrada em trabalho anterior do mesmo autor, que acha difícil as atuais benesses do governo contrabalançarem a degradação socioeconômica ocorrida e ainda a atual aceleração da inflação e da perda do poder aquisitivo a partir do salto dos preços do petróleo e da perspectiva de encarecimento e mesmo de escassez de alimentos, em consequência da guerra na Ucrânia. O trabalho esmiúça a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD ­Anual, divulgada pelo IBGE no começo do ano, e foi concluído na quinta-feira 3.

O efeito mais chocante, segundo o economista, foi o rebaixamento da classe média alta, que as pesquisas classificam como um eleitorado que tende a um voto reacionário e até pouco tempo era uma fiel apoiadora de Bolsonaro. O declínio mais gritante ocorreu no grupo denominado no trabalho de Quadros como “sem ocupação com renda”, que reú­ne aposentados e aqueles que vivem de renda financeira, de aluguéis e de participação em lucros. Esse é o grupo da alta classe média com maior encolhimento da faixa de renda, de 3,16 milhões de integrantes em 2019 para apenas 2,08 milhões em 2020, redução expressiva de 34,2%, ou 1,08 milhão de indivíduos.

Fonte: IBGE, PNAD Contínua Anual

Todos os outros grupos da ­classe média alta encolheram: empregadores, colarinhos-brancos autônomos, ­colarinhos-brancos assalariados, trabalhadores autônomos e outras ocupações. No total, a classe média alta foi comprimida de 21,71 milhões de integrantes para 17,96 milhões, achatamento de 17,3%, o que significa dizer que ela perdeu nada menos do que 3,8 milhões de integrantes. Esse pessoal acabou empurrado para baixo na escala social e econômica. “Por força desse movimento descendente generalizado, a classe média baixa, de pobres intermediários, cresceu em 8,1 milhões de indivíduos”, descreve Quadros.

A decepção desse eleitorado com o ex-capitão parece profunda e irreversível

Os efeitos cruzados dos declínios nos vários grupos que compõem a alta classe média multiplicaram efeitos negativos. A redução do tamanho do contingente denominado “empregadores”, em 410 mil indivíduos, identificada na pesquisa, retrata o fechamento ou grande abalo de centenas de milhares de empresas que faliram ou pediram recuperação judicial, fizeram demissões em massa, suspenderam contratos com fornecedores, interromperam a distribuição de lucros e deixaram de pagar aluguéis e impostos. No caso das firmas de médio e grande porte com ações negociadas no mercado, interromperam também o pagamento de dividendos. Alguns desses efeitos comprimiram a renda da turma “sem ocupação com renda”, que justamente vive de aluguéis e dividendos.

On e off. Profissionais de TI escaparam da crise. Condutores de caminhões pesados foram largados na estrada- Imagem: Marcos Vergueiro/GOVMT e iStockphoto

Grande parte dessas centenas de milhares de firmas que fecharam poderiam estar ainda em atividade, não fosse a lerdeza, a insuficiência e a inconstância do auxílio governamental, creditício e fiscal nos momentos mais graves da pandemia e da crise econômica. As PMEs são importantes geradoras de empregos e de receita tributária e as falhas do governo em socorrê-las ampliaram a tragédia econômica e social do País. Entre os prejudicados pelo fechamento em grande escala de empresas e o aumento das dificuldades para manter as sobreviventes está o grupo identificado na pesquisa como “colarinho-branco assalariado”, formado por especialistas, gestores, engenheiros e dirigentes. “Esses profissionais em geral têm uma poupança e podem esperar a situação melhorar. Ou tentar a atividade de consultores. Mas é uma dificuldade. Com tudo travado, tudo parado, quem cai do barco tem grande chance de morrer afogado”, dispara Quadros.

Os componentes do grupo denominado “colarinho-branco autônomo” trabalham por conta própria, caso de técnicos especializados, supervisores de alto nível, trabalhadores qualificados e maître de restaurantes. Não correm o risco de ser demitidos, mas padecem dos mesmos efeitos negativos impostos aos assalariados devido à redução geral da atividade econômica, que retrai a procura por seus serviços. Uma exceção são os profissionais de tecnologia de informação ou TI, com demanda constante e em alta, tanto para trabalho assalariado quanto para atividade autônoma. Exemplos do grupo de “trabalhadores autônomos” da classe média alta, segundo a pesquisa, são condutores de caminhões pesados e vendedores em domicílio.

A alta mortalidade de empresas afetou os que vivem de dividendos e de aluguéis

Além das perdas de um ano para outro na mesma camada social, o trabalho mostra a redução de renda sofrida na passagem de um segmento de classe mais bem posicionado para outro situa­do no degrau imediatamente inferior. “Uma família que estava na classe média alta em 2019 e que caiu para a média classe média em 2020 teve uma perda brutal de 11,5 mil reais em sua renda média, que passou de 17,7 mil reais para 6,2 mil reais, um terço do que era”, sublinha o economista. Esta constatação sobre a mobilidade social das famílias, no caso no sentido descendente, ou para pior, não é possível por meio de análises das PNADs trimestrais, que focam na situação dos indivíduos e foram a base do trabalho anterior de Quadros, elaborado em novembro e que mostrou cerca de 10 milhões de brasileiros empurrados para o abismo econômico pela política econômica vigente e a condução irresponsável do governo diante da pandemia.

Fonte: IBGE, PNAD Contínua Anual

A pesquisa sobre a alta classe média reforça um conjunto de elementos que sugerem um grande peso, na escolha do eleitor, dos danos concretos provocados na sua vida pela política econômica e sanitária do governo. Bolsonaro busca se contrapor a esse efeito com um pacote de benesses nunca visto de cerca de 140 bilhões de reais neste ano. O kit eleitoral inclui o Auxílio Brasil, sucessor do auxílio emergencial, principal gasto (89,1 bilhões), além do perdão do Fies, reajuste para professores, vale-gás, isenção de IPI de carros para taxistas, financiamento para profissionais da segurança, isenção do PIS/Cofins sobre o gás e o incremento do programa Casa Amarela, substituto do Minha Casa Minha Vida. As medidas procuram amenizar as imensas dificuldades provocadas para os trabalhadores e a baixa classe média pela política econômica recessiva somada à pandemia e ao negacionismo bolsonarista em relação à doença, mas ao menos uma das medidas anunciadas, o corte de 25% na alíquota do IPI, contempla, entre seus beneficiários, o segmento dos “empregadores”, da classe média alta mapeada pela pesquisa.

O “saco de bondades” é descomunal, mas dificilmente conseguirá suplantar o efeito nas pesquisas eleitorais obtido por Bolsonaro com a concessão do auxílio emergencial na pandemia, analisa Marcos Coimbra, do instituto de pesquisas Vox Populi. “Pode provocar aqui e ali alguma mexida, mas dificilmente alteraria o cenário eleitoral altamente favorável a Lula”, afirma. Em 2020, diz o soció­logo, tivemos o maior programa de distribuição da história do Brasil. Precisava ser feito, não foi Bolsonaro que criou, mas, naquele ano, concretamente, cerca de 300 bilhões de reais foram para a conta de brasileiros de renda mais baixa no Brasil inteiro. “Isso representa 11 anos de Bolsa Família, em nove meses, dinheiro vivo colocado na conta dos indivíduos. O melhor resultado que Bolsonaro conseguiu com essa transferência foi constatado em duas pesquisas do Datafolha por telefone. Ele cresceu cinco pontos porcentuais. Não é pouco, mas em face do que foi ‘investido’ por ele para melhorar suas perspectivas eleitorais, foi uma enorme decepção.” Para quem tinha cerca de 20% de aprovação, acrescenta, é bom, mas está muito longe de ser suficiente. “Não só foi pouco, como durou pouco. Ele cresceu esses cinco pontos, para 25%, mas em maio, ou seja, apenas cinco meses depois, estava com 21%, tinha recuado. Ou seja, 300 bilhões de ­reais de dinheiro na veia tiveram um efeito pequeno e breve. Não acredito que Bolsonaro tenha elementos para fazer com que o eleitor muito decepcionado com ele volte a considerá-lo um grande presidente.”

Fonte: IBGE, PNAD Contínua Anual
*Famílias classificadas pelo membro mais bem remunerado
**R$ a preços de out/2020, deflator: INPC

Segundo depoimento do diretor-executivo para as Américas do grupo ­Eurasia, Christopher Garman, ao ­Valor, a recuperação recente de Bolsonaro é modesta e o que importa é olhar a média móvel de todas as pesquisas em seis a oito meses. Desde novembro, ele recuperou cinco pontos porcentuais, mas a média móvel mostra que Bolsonaro flutua em uma banda de cinco pontos porcentuais desde setembro. A recuperação recente reflete o movimento de gasto de dinheiro público com benefícios a parcelas de menor renda, mas não parece mudar o curso da eleição. O mais importante, diz, é acompanhar a evolução da economia e como será administrado o bombardeio da oposição sobre Lula. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1199 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “No bolso dói mais “

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