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‘A pobreza, a fome e a instabilidade estão crescendo’, diz chefe do FMI

Kristalina Georgieva fala sobre o desafio de enfrentar a crise da Covid, as emergências climáticas e, agora, a guerra

‘A pobreza, a fome e a instabilidade estão crescendo’, diz chefe do FMI
‘A pobreza, a fome e a instabilidade estão crescendo’, diz chefe do FMI
Georgieva é a primeira diretora do fundo oriunda de país comunista - Imagem: Cliff Owen/FMI
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Qualquer pessoa encarregada do Fundo Monetário Internacional estaria preocupada com o que está acontecendo na Ucrânia, mas Kristalina Georgieva tem uma razão pessoal para estar ansiosa sobre os acontecimentos na Europa Oriental. Em Londres, dois dias antes de Vladimir Putin lançar sua invasão, a diretora-gerente do FMI disse ao Observer que ela tem uma conexão familiar com a cidade de Kharkiv, no nordeste do país, um dos primeiros alvos dos ataques aéreos russos.

“Meu irmão se casou com uma ucraniana. Ele e sua mulher foram para lá, cuidar da mãe dela”, diz a economista nascida na Bulgária. “Eles ficaram porque não queriam deixá-la em um momento de incerteza.”

Desde que assumiu o cargo no FMI, em 2019, Georgieva passou a maior parte do tempo lidando com as consequências econômicas da maior crise global de saúde em um século. Ela já está ansiosa com o que a pandemia fez com o mundo, e uma guerra agora é algo de que ela não precisava. “Estou muito preocupada. Pela primeira vez em duas décadas, países que costumavam se recuperar estão ficando para trás. A pobreza está crescendo, a fome está crescendo e a instabilidade está crescendo”, afirma. “Há uma divergência perigosa entre os países ricos e o resto do mundo, devido aos níveis de vacinação e à disponibilidade de apoio político.”

Em um aspecto, Georgieva não é diferente dos 11 diretores-gerentes do FMI que a precederam. Por um acordo dos anos 1940, os europeus sempre nomeiam o chefe do FMI, enquanto a administração do Banco Mundial vai para um americano. Georgieva é diferente, porém, por ser a primeira chefe do FMI a vir de um antigo país comunista: ela nasceu em Sófia, a capital da Bulgária, em 1953, ano em que o ditador sovié­tico Joseph Stalin morreu. É seguro dizer que nenhum de seus antecessores teve um bisavô que fosse um revolucionário proeminente.

“Tive muita sorte de crescer em uma família amorosa. Quando voltava da escola, as janelas estavam abertas e eu podia ouvi-los cantando”, conta a dirigente, sentada de costas para o horizonte de Londres no último andar de um hotel ao lado do Tâmisa. “Houve muitas dificuldades e, quanto mais eu crescia, mais as reconhecia. As maiores delas foram as restrições à liberdade e a maneira como manter as pessoas no escuro pode impactá-las severamente.”

Sua educação, diz Georgieva, foi uma boa preparação para administrar o FMI, uma organização multilateral que presta assessoria e ajuda financeira a 190 paí­ses membros. “Vi o impacto de políticas ruins na vida das pessoas”, diz ela. “Vi as economias de toda a vida da minha mãe evaporarem na década de 1990, por causa da hiperinflação. Lembro-me de acordar às 4 da manhã e fazer fila para pegar leite para a minha filha.”

“A pobreza, a fome e a instabilidade estão crescendo”, lamenta Kristalina Georgieva

Antes de substituir Christine ­Lagarde no FMI, Georgieva foi a número 2 do Banco Mundial, época em que supervisionou o relatório anual Fazendo Negócios, que classificava os países de acordo com a facilidade para criar e administrar uma empresa lá. Uma denúncia de que Georgieva ordenou a manipulação dos dados na edição de 2018, para que os resultados fossem mais favoráveis à China, colocou seu cargo em risco. Economistas importantes, como Joseph Stiglitz e Lord Stern, saíram em sua defesa e o conselho do FMI reafirmou total confiança nela. Havia rumores de que ela tinha sido vítima de uma campanha de difamação.

“É preciso o incentivo dos membros para apoiar melhor os companheiros em apuros, e o que importa é o que se alcança: sob a liderança de Kristalina, a resposta do FMI às consequências desta crise de saúde global sem precedentes foi rápida, poderosa e excepcionalmente calibrada em seu apoio ao maior número possível de países”, diz Lagarde, sobre a sua sucessora. A própria Georgieva acrescenta: “Desde o início da saga Fazendo Negócios, eu tinha certeza de que não havia feito nada errado. Estou diante do mundo com 40 anos de experiência­ profissional, 30 deles em organizações internacionais. O que me importa é fazer a coisa certa”.

Sem nenhuma surpresa, ela prefere falar sobre a economia global e os desafios pós-pandemia que enfrenta. O FMI não é, insiste, a organização economicamente linha-dura que muitas vezes é considerada, mas tem sido uma fonte vital de apoio para países em dificuldades. “Aumentamos drasticamente o apoio aos nossos membros. Fizemos bastante por um número maior de países e mais ­rápido do que jamais tínhamos feito em nossa história. Os países sem capacidade financeira não foram deixados sozinhos para combater a crise da Covid.”

Georgieva deseja que um novo instrumento financeiro do FMI, o Fundo de Resiliência e Sustentabilidade, esteja em funcionamento até a reunião ­anual da organização, no outono. Esse fundo fiduciário de 50 bilhões de dólares seria fornecido por países ricos doando uma parte dos 650 bilhões de ativos de reserva do FMI alocados no ano passado. O plano é oferecer financiamento de longo prazo acessível para ajudar na transformação verde dos países em desenvolvimento, antes que seja tarde demais.

A presidente do FMI avalia que a Conferência do Clima em Glasgow teve sucesso parcial, porque estabeleceu metas para 2050, mas não para a próxima década. Ela é uma economista ambiental por formação e sua mensagem é contundente: “Todos os belos planos não significarão nada, não valerão o papel em que estão escritos, se nesta década hesitarmos e não acelerarmos a transição para economias de baixo carbono e resilientes ao clima”. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1198 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Tormenta sem-fim”

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