

Opinião
A guerra nos campos
Após a eclosão do conflito na Ucrânia, o bilionário russo Abramovich tenta vender suas propriedades na Inglaterra, aí incluído o Chelsea


Como já não bastasse tanta desgraça, surge agora um sério conflito para fazer valer a sabedoria popular: “Não há nada tão ruim que não possa piorar”. No fundo, em meio ao sufoco que atravessamos no Brasil, com crises sanitária, econômica, política e social, esta guerra, insana como todas, só serve para atestar o estágio de barbárie em que ainda se encontra a humanidade.
Sobre esse assunto, o ex-presidente Lula, mais uma vez, dá mostras de sua lucidez nas análises que faz dos acontecimentos políticos mundo afora. Ele afirmou, em seu pronunciamento, que esta ação é resultante da incapacidade dos dirigentes de resolver as diferenças com os recursos da inteligência. À falta de inteligência, partem para a violência, que nunca resolveu nem nunca vai resolver nada.
Em uma guerra, mesmo aquele que a ganha não prova que tinha razão. Prova, no máximo, que era o mais forte. E deixa para trás, além da destruição, perdas humanas e sequelas em todos os níveis. Uma guerra sempre deixa como rescaldo o ressentimento e o desejo de vingança, em geral alimentados ao longo de décadas, sempre à espera de uma brecha para explodir.
Não deixa de ser exemplar desse tipo de herança o recrudescimento do nazifascismo, representado pela invasão do Capitólio americano.
No caso do futebol, especificamente, as consequências mais imediatas do conflito são as dificuldades enfrentadas pelos jogadores desses países para se locomoverem. Por causa desse ato político tresloucado, eles se veem impedidos de disputar partidas marcadas para diferentes lugares.
Por aqui, apesar de não estarmos em guerra, vimos, durante este Carnaval de 2022, o ataque ao ônibus do Bahia, no momento em que chegava à Arena Fonte Nova, antes da partida contra o Sampaio Corrêa, pela primeira rodada da Copa do Nordeste. Uma bomba quebrou os vidros de algumas janelas.
Quando algo assim acontece, os espetáculos esportivos ficam maculados e nos devolvem ainda a lembrança dos povos em guerra.
A guerra na Ucrânia, além disso, fez com que surgisse nos noticiários a informação de que o magnata suíço Hansjoerg Wyss está considerando comprar o Chelsea, time campeão do mundo, do bilionário russo Roman Abramovich.
O que estaria por trás dessa negociação é o fato de Abramovich estar tentando, neste momento, vender todas as suas propriedades na Inglaterra e, ao mesmo tempo, se livrar do Chelsea. A partir desse movimento, é muito provável que fiquem mais conhecidos outros clubes sob o domínio de milionários russos.
Por conta dessas discussões, vêm à tona, mais uma vez, a imensidão da quantidade de clubes-empresas pelo mundo afora e, no caso do Brasil, as formas de relacionamento dos clubes a partir da aprovação da estrutura Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
Parece que nada – ou muito pouco – muda na essência do que significam os clubes-empresas. No fim, o que está sempre em jogo é a busca do dinheiro, onde quer que ele esteja.
Se, com a profissionalização, o esporte vivia dos sócios, da arrecadação nas bilheterias, do incentivo do “bicho” e de alguns “mecenas”, com o advento da tevê ele passou a atrair também os recursos da construção, do petróleo e do gás – segmentos em que os russos são fortes.
Com esses grandes investimentos, foram chegando ao futebol os japoneses, os árabes, os russos, os norte-americanos, os chineses e até os australianos. Ninguém, afinal de contas, poderia ficar fora de uma atividade que se mostra tão lucrativa. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1198 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE MARÇO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A guerra nos campos”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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