Cultura
‘Uma hora eu decidi cantar só o que as pessoas querem ouvir’, diz Nando Reis
Há 20 anos em carreira solo, o ex-Titã revisita mais uma vez seu repertório, agora em um álbum gravado com a Orquestra Petrobras Sinfônica


Em carreira solo desde setembro de 2002, quando saiu do grupo Titãs, Nando Reis é um autor de sucesso e prestígio. Gravado por nomes da categoria de Cássia Eller, Gal Costa e Gilberto Gil, é um compositor que faz da boa melodia sua marca registrada.
Essa qualidade se faz presente em Nando Reis & Orquestra Petrobras Sinfônica, que chega nesta sexta-feira 25 às plataformas de streaming. No álbum, suas criações ganham arranjos para o grupo sinfônico comandado por Isaac Karabtchevsky, regente principal e diretor artístico do trabalho. “Nando Reis não é só um excelente cantor. Ele assume a função do poeta, daquele que é consciente do poder da palavra, das cores e fantasias que delas emanam”, diz Karabtchevsky a CartaCapital.
Entre 2017 e 2019, Nando Reis e a orquestra fizeram seis apresentações. Algumas aconteceram em lugares apropriados para shows, outras em salas de concerto. O repertório misturava as canções de Reis com trechos de Quadros de Uma Exposição, de Mussorgsky, do Bolero de Ravel, e do prelúdio da Bachiana Número 4, de Villa-Lobos, e Mourão, de Guerra Peixe e Clóvis Pereira.
Reis é um compositor habilidoso, que mistura referências do cancioneiro brasileiro com a música folclórica dos Estados Unidos e da Inglaterra. Essas conexões aparecem nas oito faixas do álbum, todas de autoria do cantor e compositor paulistano, que completou 59 anos no mês passado. Os arranjos de Alexandre Caldi para Cegos no Castelo e Luz dos Olhos possuem um quê de Led Zeppelin e há um gostinho das obras orquestrais dos Beatles na versão de All Star, arranjada por Rafael Smith.
O encontro do ex-Titãs com o tradicional grupo sinfônico brasileiro segue uma tendência notada em várias orquestras do mundo, que se aproximam da música popular na tentativa de rejuvenescer o público. Trata-se, porém, de uma manobra sempre desafiadora – e por vezes arriscada.
Se, de um lado, temos um grupo acostumado à disciplina e fidelidade à partitura do compositor, de outro, temos um artista cujos trunfos principais são, justamente, o improviso e a interação com a plateia. “É uma união que causa um impacto grandioso na plateia”, diz Reis, por telefone.
Ele nunca foi um ávido ouvinte de música clássica. Mas os flertes entre o erudito e o rock sempre lhe interessaram. “Até hoje a trilha de Jesus Christ Superstar está entre os meus discos favoritos”, diz, referindo-se à ópera rock criada pelos compositores Andrew Lloyd Webber e Tim Rice e que trazia o roqueiro Ian Gillan, da banda Deep Purple, no papel principal.
“Uma hora eu decidi cantar só o que as pessoas querem ouvir”, diz o criador da canção Segundo Sol
Se Reis sempre teve esse interesse, a Petrobras Sinfônica já havia vivenciado esse tipo de experiência. Fez concertos com o repertório de Los Hermanos, em 2017, e do Pink Floyd, em 2018. O novo encontro foi um casamento feliz, ainda que marcado por alguns solavancos. “O maestro queria que eu fizesse um solo de voz no Bolero, de Ravel”, conta Reis, acrescentando que, obviamente, negou a sugestão.
O estofo de Reis para o desafio fica evidente nos oito álbuns autorais de estúdio lançados entre 1995 e 2016, sem falar nos sucessos Ainda Lembro, Diariamente e Na Estrada, gravados por Marisa Monte; O Segundo Sol, Luz dos Olhos e Relicário, sucessos na voz de Cássia Eller; Resposta, É Uma Partida com Futebol, Ainda Gosto Dela, com Skank; Do Seu Lado, com Jota Quest, e Onde Você Mora, com Cidade Negra. Tudo isso o credenciou para excursionar com uma apresentação composta apenas de sucessos – cantados por ele ou por outros.
Nando Hits estreou em 2021, nos meses em que a pandemia deu uma pequena trégua. “As pessoas querem ouvir as minhas músicas. E uma hora eu decidi cantar só o que as pessoas queriam ouvir”, diz. Ele se permitiu até incluir no repertório canções que há muito tempo estavam fora dos shows, como Me Diga e ECT. A turnê foi interrompida por causa da Ômicron – ele mesmo e a família foram infectados –, mas vem sendo retomada aos poucos.
Reis, quando fala da relação com o público, entusiasma-se com a presença de jovens na plateia dos shows. Muito por causa deles regravou recentemente Onde Você Mora, composição dele e de Marisa Monte, ao lado do trio Melim. “Vi que eles estavam cantando essa canção nos shows e propus que gravássemos juntos. Curioso que nenhum deles era nascido quando Onde Você Mora foi criada (em 2011)”, diverte-se.
Suas criações, aliás, são um desafio para quem se acostumou aos refrões colocados poucos segundos depois de as músicas começarem – a técnica do pop mundial para prender a escassa atenção dos jovens. “O refrão de Luz dos Olhos surge depois de dois minutos. Relicário nem sequer tem refrão”, diz o cantor que, inclusive, tem estendido seu repertório para além do universo pop. Em outubro de 2021, lançou um single com o cantor de samba Péricles, a quem define como soulman.
Em tempos de canções feitas de modo industrial, Nando Reis segue sendo um artesão. “Às vezes, tenho dúvida se uma canção como Segundo Sol faria sucesso nos dias de hoje”, diz o cantor, que cria à moda antiga, com violão, papel e caneta.
Nando é tão vintage que deve ganhar uma reedição em vinil de Para Quando o Arco-Íris Encontrar o Pote de Ouro, de 2000, que traz maravilhas de seu repertório, como All Star e Relicário. “O disco não tinha uma sonoridade que me agradava porque houve problemas de verba”, revela. “Ele agora ganhou uma remixagem e virá até com gravações demo.” Reis ainda prepara outro material de canções inéditas que deverão ser lançadas entre 2022 e 2023.
Seu repertório, tanto pelo sucesso quanto pela qualidade, o credencia ao posto de um dos artistas mais talentosos de sua geração. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1197 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE MARÇO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Assumidamente vintage“
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