Política
PT ainda tenta selar uma aliança no primeiro turno com o PSD de Kassab
Os petistas ofereceram abrir mão da cabeça de chapa na Bahia em favor de Otto Alencar


Lula é o favorito às eleições de outubro. O porcentual dos eleitores que se declaram decididos ou que cogitam votar no ex-presidente lhe garante uma boa margem, apesar de, platitude das platitudes, ser cedo demais para cantar vitória. O petista é, portanto, o maior polo de atração da política nacional, embora não o único. Nestes meses de negociações que antecedem a ida de milhões de brasileiros às urnas, Gilberto Kassab, presidente do PSD, desfila pelos salões da política nacional como um príncipe no baile. Em princípio, todos querem o apoio de Kassab ou sua “neutralidade” e Kassab não fecha as portas para ninguém. Ora insinua a possibilidade de um acordo com Lula no primeiro turno, que poderia decidir a fatura sem uma segunda volta, ora garante que o partido terá candidatura própria. Em qual das versões acreditar?
O PSD tem 35 deputados federais, 11 senadores e ambição de dobrar o número de parlamentares na Câmara a partir da próxima legislatura, o que conferiria à legenda um papel quase tão decisivo na governabilidade quanto o do MDB dos áureos tempos. A dúvida de Kassab é elementar: para alcançar o objetivo, o melhor seria se aliar ao favorito o mais cedo possível ou deixar os acordos para um eventual segundo turno? Nos últimos dias, o ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo corteja o tucano Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul derrotado nas prévias do PSDB pelo colega João Doria. Leite poderia se tornar o “boi de piranha” que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se recusa a ser.
Os petistas ofereceram abrir mão da cabeça de chapa na Bahia em favor de Otto Alencar
Para o gaúcho, prestes a completar 37 anos, uma campanha presidencial, mesmo em posição adversa, é uma ótima oportunidade de projetar-se nacionalmente. Para o PSD, ter um nome próprio aumenta a possibilidade de engordar a bancada e se tornar o fiel da balança do próximo governo. Na terça-feira 15, em um jantar em Brasília com a bancada do partido, Kassab precisou acalmar o ânimo de alguns parlamentares insatisfeitos com a possibilidade de o PSD desistir de uma candidatura própria para apoiar Lula no primeiro turno. O presidente da legenda ratificou o convite a Leite, um modo de não espantar possíveis novos filiados de peso durante a janela de trocas partidárias antes das eleições. Entre os aflitos estavam basicamente as bancadas do Sul e Centro-Oeste, de pendores bolsonaristas. “O partido não será empecilho, não vai gerar constrangimento para quem disputa nos estados. Vamos liberar”, afirma André de Paula, deputado federal por Pernambuco e primeiro-secretário da Executiva Nacional. No segundo turno, afirma o parlamentar, a tendência seria apoiar Lula.
O PT ainda não desistiu, no entanto, de arrancar do PSD um compromisso firme antes do início da campanha. No início do mês, Lula se reuniu com Kassab para discutir alianças e, uma semana depois, recebeu em São Paulo uma comitiva da Bahia formada pelos principais representantes da coalizão que comanda o maior estado do Nordeste há 16 anos: o governador Rui Costa e o senador Jaques Wagner, ambos do PT, o senador Otto Alencar, do PSD, e o vice-governador João Felipe Leão, do PP, partido que comanda a Casa Civil do governo Bolsonaro, com Ciro Nogueira, e preside a Câmara dos Deputados, com Arthur Lira. A pauta da reunião foi a reconfiguração da aliança estadual. Costa renunciaria no fim de março para disputar o Senado, Leão ficaria no governo nos nove meses que restam do mandato e o PSD assumiria a cabeça de chapa, com Alencar candidato ao governo.
Sim, não, talvez. Kassab mantém o suspense até a janela de trocas partidárias – Imagem: Ricardo Fonseca/MCTC
O arranjo divide os integrantes do diretório estadual petista. Além de perder o protagonismo de governar o quarto maior colégio eleitoral do país, com quase 11 milhões de votos, setores do partido temem o efeito de entregar o comando do estado ao PP. “O povo confiou e votou em um governador com mandato de quatro anos. É importante a continuidade do arco de alianças, mas tendo Jaques Wagner como governador e Otto Alencar como senador. O PP vai encontrar a melhor forma de continuar na aliança”, defende Fátima Nunes, deputada estadual pelo partido. O deputado federal Josias Gomes pensa diferente. “Nossa intenção é manter a coalizão e, se precisar transformar a aliança para ajudar a candidatura de Lula, um movimento para restabelecer a democracia e se opor a todas as forças autoritárias, vamos fazer. É uma necessidade para incorporar o PSD à campanha de Lula no primeiro turno. A candidatura extrapola o partido.” Na segunda 21, as bancadas federal e estadual do PT baiano se reuniram e reforçaram o nome de Wagner para o cargo de governador.
Os envolvidos na negociação evitam falar sobre o assunto. Na terça-feira 22, Wagner retornou de uma missão internacional direto para São Paulo, onde se reuniu novamente com Lula para tratar do tema. Um dia antes, em entrevista à GloboNews, Costa disse que o prazo para anunciar a chapa é 13 de março e que está à disposição do partido para disputar o Senado. “Política deve ser exercida de forma coletiva. Tudo vai depender de qual é a melhor forma que eu devo ajudar. Estou à disposição. Mas é preciso um grande arco de alianças.” Nas redes sociais, Wagner, que ainda não completou a primeira metade do mandato de senador, garante estar disposto a disputar novamente o governo do estado. Otto Alencar parece, por sua vez, diante de uma reeleição garantida, cenário diferente caso se aventure na corrida estadual contra ACM Neto.
Há arestas a aparar em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, dois estados cruciais
Além da Bahia, PT e PSD ainda buscam se acertar em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. No primeiro caso, os petistas tendem a apoiar a candidatura do atual prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, mais cotado a enfrentar o governador Romeu Zema, do Novo, que disputa a reeleição e lidera as pesquisas. “O Lula não precisa do Kalil, mas pode ser que o Kalil precise de Lula. O voto do Lula é do Lula. O Kalil é um simples prefeito e o Lula é um líder mundial”, declarou o prefeito em entrevista ao site de CartaCapital. O entrave está na vaga ao Senado. O partido de Kassab quer reeleger Alexandre Silveira, mas o petista Reginaldo Lopes diz não abrir mão da indicação para o mesmo cargo.
No Rio, o PSD prepara um ato político de filiação dos parlamentares que aderirem à legenda no prazo da janela partidária, que começa em 3 de março e termina em 1º de abril. O evento deve confirmar ainda o nome do ex-presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, ao governo do estado. O PT fluminense oficializou apoio à candidatura de Marcelo Freixo, mas não está descartada a hipótese de Lula subir em diferentes palanques, a depender do desfecho das conversas com Kassab. Santa Cruz defende um só candidato das forças progressistas no primeiro turno. “Não é uma disputa qualquer, não será simples, será violenta, agressiva. Temos amplas áreas sobre o controle das milícias. O discurso de ódio vai prosperar. O Rio de Janeiro vai ser um campo decisivo, talvez o teatro dos acontecimentos, para a superação ou não do governo Bolsonaro”, avalia.
Novidades. Santa Cruz será candidato no Rio. Leite pode ser o nome nacional – Imagem: Itamar Aguiar/GOVRS e Redes sociais
A estratégia do PT para tentar vencer no primeiro turno é a seguinte: montar uma aliança forte em São Paulo que aumente a competitividade de Fernando Haddad, primeiro colocado nas pesquisas atuais, e se associar a palanques vencedores em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Somados à vantagem quilométrica no Nordeste, os três principais estados do Sudeste selariam o resultado das eleições em 2 de outubro. “No Nordeste, a margem a favor do PT é imensa e a tendência de se manter ou crescer é muito grande. Em São Paulo, no Rio e em Minas, a eleição é mais difícil, principalmente em São Paulo, porque não é um estado que tem dado ao PT votação muito grande de 2006 em diante. Mas tem que olhar para eles como estratégicos. Qualquer porcentual de votos é um caminhão se comparado àquele de outras regiões”, explica Cláudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.
Kassab mantém o mistério: não sabe se não, mas também não tem certeza que sim, cantaria Djavan. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1197 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE MARÇO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Vai ou não?”
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