

Opinião
Freixo: O Rio de Janeiro tem jeito, o que tem faltado é ética, competência e responsabilidade
‘A tragédia em Petrópolis é o retrato de um ciclo vicioso, misto de corrupção, descaso e incompetência’


A tragédia em Petrópolis é o retrato de um ciclo vicioso, misto de corrupção, descaso e incompetência, que o Rio de Janeiro precisa romper para voltar a olhar para o futuro com esperança. É inadmissível que o estado conviva com desastres que se repetem, e que provocam centenas de mortes, sem que o governo adote medidas básicas de prevenção.
Eu poderia escrever sobre as enchentes em Petrópolis de 1979 e 1988, mas recorro a episódio mais recente, as chuvas de janeiro de 2011, para questionar: o que foi feito para evitar que aquela tragédia que devastou a Região Serrana, matando mais de 900 moradores, se repetisse em fevereiro deste ano? Muito pouco.
Em vez de fazer com que o governo estadual finalmente começasse a dar prioridade à prevenção de desastres, com investimentos em políticas públicas de moradia popular, meio ambiente, contenção de encostas e mapeamento de áreas de risco, aquela tragédia serviu para encher os bolsos de políticos e empreiteiros corruptos, que se aproveitaram do luto de centenas de famílias para saquear os cofres públicos.
Segundo o Ministério Público Federal, a Secretaria Estadual de Obras, diretamente envolvida na reconstrução das cidades da Região Serrana atingidas pelas chuvas, foi transformada numa central da corrupção. Como os contratos foram feitos em caráter emergencial – sem a necessidade da realização de licitação –, houve uma farra de fraudes e propinas com obras superfaturadas.
Segundo os procuradores federais, em 15 anos – ou seja, o esquema é anterior à tragédia, mas foi turbinado por causa dela – foram desviados 4 bilhões de reais. Além de estar na origem do problema, por retirar dinheiro que seria investido em políticas preventivas, a corrupção alimenta-se da destruição causada pela catástrofe por meio da roubalheira em obras públicas.
O fortalecimento dos instrumentos de combate à corrupção, o investimento em transparência e a governança responsável são iniciativas fundamentais para evitar tragédias como a que acaba de ocorrer em Petrópolis. O dinheiro público tem de chegar na ponta e servir aos interesses da população.
Sabemos que o volume de chuva surpreendeu os meteorologistas que monitoram a região. Os especialistas não esperavam que em poucas horas chovesse o que estava previsto para todo o mês, o que mais uma vez acende o alerta sobre os impactos provocados pelas mudanças climáticas. No entanto, se os sucessivos governadores que estiveram à frente do Palácio Guanabara não fossem omissos, as consequências de desastres como este seriam atenuadas e vidas poupadas.
O governo do estado, em 2021, investiu apenas 47% do que estava previsto no programa de prevenção e resposta a desastres. Isso significa que 215 milhões de reais deixaram de ser aplicados em políticas que poderiam ter evitado as quase 200 mortes que ocorreram em Petrópolis. É escandaloso que o Poder Executivo deixe de fazer os investimentos necessários depois de tantos estragos e óbitos que as chuvas provocaram na região nas últimas décadas.
O descaso dos últimos governos prejudica todas as áreas estratégicas para prevenir os efeitos das catástrofes climáticas. Petrópolis tem 234 locais com alto risco de deslizamentos, enchentes e inundações, o que significa quase 20% de seu território. Perto de 12 mil moradias estão nessas localidades. Um desses lugares é o Morro da Oficina, um dos mais afetados pelos deslizamentos.
O Rio de Janeiro precisa reassentar essas famílias em áreas seguras, por meio de um programa de moradia popular. O Poder Executivo estadual tem de assumir a liderança nesse processo e se articular com o governo federal, prefeituras e iniciativa privada para viabilizar os investimentos. Hoje, 110 milhões de reais estão parados no Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social (FEHIS).
Além da realocação dos moradores, é urgente reflorestar as encostas e construir barreiras de contenção para impedir deslizamentos e evitar que detritos se acumulem nos leitos dos rios e nos canais de drenagem, prevenindo enchentes.
O trabalho dos Bombeiros e da Defesa Civil é heroico, mas precisamos agir antes de a emergência ocorrer. O governo estadual tem de assumir a coordenação das ações preventivas juntamente com as prefeituras da região. É dever do governo criar um Centro de Operações de Prevenção de Desastres, reunindo autoridades públicas, especialistas e sociedade civil, para monitorar áreas de risco, orientar e acompanhar as políticas públicas preventivas e preparar a população sobre como agir em caso de catástrofe.
O Rio de Janeiro tem jeito, o que tem faltado é ética, competência e responsabilidade aos governos que estão há décadas no poder. Está na hora de o Estado servir às famílias que dão duro todos os dias para ter uma vida melhor. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1197 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE MARÇO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Petrópolis: outra tragédia”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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