Economia
A diretoria eleita da Fiesp critica a alta dos juros e propõe foco na política de desenvolvimento
A nota dos industriais paulista marca o início da gestão de Josué Gomes da Silva


Os empresários, apoiadores de Bolsonaro desde a campanha eleitoral, ressalvadas as exceções, enfim começaram a reagir à política econômica recessiva com críticas às elevações dos juros. A tomada de posição da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, na forma de uma nota oficial divulgada na quarta-feira 2, intitulada “Muito mais que o Copom”, é incomum não só devido à mudança de tom, da aceitação passiva para a crítica frontal à política do Comitê de Política Monetária do Banco Central, mas também, e este é o destaque principal, por conter a defesa explícita de uma política de desenvolvimento.
A nota marca o início da gestão de Josué Christiano Gomes da Silva, filho de José Alencar Gomes da Silva, vice-presidente de Lula, eleito no ano passado para a presidência da Fiesp com apoio inédito de 95% dos votos no colégio eleitoral composto por 113 sindicatos empresariais. Divulgada na página da entidade na internet, a nota diz que “as reuniões do Copom, como a que hoje elevou a Selic de 9,25% para 10,75%, deveriam soar como alerta sobre o que deixamos de fazer a contento para colhermos crescimento econômico com geração de emprego e renda de modo sustentável. O novo patamar da Selic incomoda, e muito, já que a inflação que visa combater não apresenta um perfil condizente para um tratamento exclusivo via aumento dos juros”. O texto critica o peso excessivo da esfera financeira sobre a sociedade ao defender que “muito mais que o BC e o Tesouro, são os poderes da República e a sociedade que devem dar as diretrizes visando o interesse comum do desenvolvimento nacional” e coloca a indústria no centro de uma nova política econômica voltada para “a expansão da renda e a geração de empregos de qualidade”. Na terça-feira 8, vários analistas previam uma elevação da Selic para 12,25%, ou mais que isso.
A nota dos industriais paulista marca o início da gestão de Josué Gomes da Silva
Diretor-presidente da Coteminas, a maior indústria de itens de cama, mesa e banho do continente, Gomes da Silva assume em meio a uma grave crise econômica e social. A expectativa de alta do PIB no ano, apurada a cada semana pelo Banco Central, não passa de 0,30%. O déficit comercial da indústria, de 53,3 bilhões de dólares em 2021, foi o pior desde 2015 e a participação dos setores de maior intensidade tecnológica caiu de 36,1% do total do setor em 2013 para 27,6% no ano passado. A produção de veículos caiu 27,4% em janeiro em relação ao mesmo mês do ano passado, um recorde de baixa em 19 anos, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. Desempregados, subocupados e brasileiros fora do mercado, mas que precisam trabalhar, somam 29,1 milhões, o que significa 25% da força de trabalho sem emprego ou com subemprego. Há 41 milhões de trabalhadores informais e, no setor privado, um em cada quatro empregados não tem carteira de trabalho assinada. Há 116,8 milhões de brasileiros sem acesso permanente a alimentos e, desse total, 19 milhões passam fome, informa o Fórum das Centrais Sindicais.
Gomes da Silva sucede Paulo Skaf, que presidiu a entidade por 17 anos, revelou-se um bolsonarista fanático, a ponto de articular a malfadada criação do Aliança Brasil, partido que abrigaria o ex-capitão, e teve papel destacado no apoio ativo da entidade ao impeachment de Dilma Rousseff, motivo de desgaste crescente entre dirigentes de sindicatos empresariais favoráveis a uma postura de maior distanciamento dos governos, que consideram apropriada para melhor negociar reivindicações setoriais.
Um ponto alto da preocupação dos empresários com o uso político da Fiesp e as omissões da entidade na defesa do setor foi a publicação, em 2019, do texto intitulado “Morte anunciada – Como compactuar com o uso partidário da Fiesp?”, na Folha de S. Paulo, assinado pelos industriais Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski, integrantes dos conselhos de administração da Klabin, da Natura&Co e da Ultrapar. Sem citar nomes, o documento ataca o apoio deslavado de Skaf a Bolsonaro e a radical instrumentalização política da instituição. Os autores do manifesto criticavam o “acelerado processo de destruição” da Fiesp e declaravam apoio a “novos caminhos para a reforma da desgastada governança e a consequente mudança no sistema de representação da indústria paulista”.
50 anos em 5. O Plano de Metas de JK era ambicioso, do tempo em que o Brasil pensava grande – Imagem: Arquivo Nacional
O parágrafo mais importante é um ataque a aspectos centrais da política econômica vigente: “A indústria está perdendo espaço por razões que conhecemos. Parte sua responsabilidade, parte devido às transformações tecnológicas globais, parte por novos modelos de negócios. No Brasil, um desperdício de talentos e oportunidades, fruto de políticas erradas e falta de coragem na adoção de uma agenda de integração global, que nos colocou distantes da busca prioritária da produtividade. A isso se soma o recorrente desprezo com a pesquisa e com a inovação, e um descaso histórico com a educação, a cultura e a sustentabilidade”, disparam os signatários.
A cúpula da nova diretoria da Fiesp inclui acionistas e dirigentes de algumas das poucas empresas de porte que sobreviveram à desindustrialização crônica iniciada décadas atrás, a exemplo de Dan Ioschpe, Marcelo Campos Ometto, André Bier Gerdau Johannpeter e José Roberto Ermírio de Moraes, entre outros. Alguns desses sobrenomes estão ligados à tradição dos líderes empresariais que, em 1978, em pleno regime militar, vieram a público para pedir a redemocratização do País. O “grupo dos oito”, escolhidos em eleição de líderes empresariais promovida pelo jornal Gazeta Mercantil, era composto por Antônio Ermírio de Moraes, Cláudio Bardella, Jorge Gerdau, José Mindlin, Laerte Setúbal Filho, Paulo Vellinho, Paulo Villares e Severo Gomes. Em um manifesto, defenderam a democracia, a empresa nacional, o disciplinamento da empresa estrangeira atuante no País, investimentos públicos, uma política salarial justa, gastos sociais e liberdade sindical para patrões e empregados, entre outros pontos. Em 1980, Ermírio de Moraes, Bardella, Gerdau, Setúbal Filho e Mindlin foram reeleitos e, ao lado de Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Olavo Setúbal, Abilio Diniz, José Ermírio de Moraes Filho e Mário Garnero, assinaram novo documento, de crítica à estratégia recessiva causadora de desemprego e desnacionalização e de defesa das instituições democráticas. Em 1998, um grupo de industriais entregou à FHC um projeto para melhorar o País e cobrou uma atitude do governo.
Marchesan, da Abimaq: “Precisamos restabelecer a primazia da política sobre a economia”
Duas semanas antes da publicação da nota oficial da Fiesp, o blog da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos veiculou o artigo intitulado “O Brasil está perdido no caminho do desenvolvimento”, assinado por João Carlos Marchesan, empresário do setor de máquinas e implementos agrícolas e presidente do Conselho de Administração da Abimaq. Após uma retrospectiva histórica sobre os méritos do desenvolvimento e seu desvirtuamento pela política econômica dominante, Marchesan termina o texto em tom de conclamação: “Precisamos restabelecer a primazia da política sobre a economia, em lugar do mercado que nos levou à excessiva financeirização da economia, e recuperar o bem-estar da sociedade como objetivo último do Estado”.
O empresário relembra episódios fundamentais da história recente. “O Brasil, durante os 50 anos que vão desde os anos 1930 até 1980, cresceu a taxas chinesas, tanto que passou a ser conhecido como o ‘país do futuro’. As novas gerações tinham uma razoável certeza de que suas vidas seriam melhores do que a de seus pais e que seus filhos teriam oportunidades melhores do que eles próprios”, descreve o dirigente da Abimaq. Havia pleno emprego, diz, o que aumentava a mobilidade social e, apesar de problemas históricos de pobreza e analfabetismo, o otimismo prevalecia. Os governantes, geralmente, defendiam um projeto de desenvolvimento e, neste sentido, conseguiam galvanizar os brasileiros, que tinham muito orgulho de seu País. “A industrialização e o crescimento andaram de mãos dadas, alimentando um ao outro, em um ambiente que permitiu a Juscelino Kubitschek prometer avançar 50 anos em 5, construir Brasília, e consolidar a indústria brasileira”, ressalta Marchesan. “No fim deste ciclo, o Brasil tinha se tornado uma potência industrial.”
Preocupação. Marchesan defende o bem-estar social – Imagem: Abimaq
A peça central da política econômica do governo Kubitschek foi o Plano de Metas, executado entre 1957 e 1960 e definido pelo economista Carlos Lessa, no clássico 15 Anos de Política Econômica, como “a mais sólida decisão consciente em prol da industrialização na história econômica do País’’. O plano, destaca Lessa, propunha investimentos diretos do governo nos setores de energia e de transporte e em algumas atividades industriais básicas, em especial em siderurgia e no refino de petróleo, assim como estímulos aplicados à expansão e diversificação do setor secundário, produtor de equipamentos e insumos com funções de alta intensidade de capital. A sinergia dos setores público e privado era um elemento central do projeto.
Ao que tudo indica, as manifestações empresariais recentes compartilham o temor de que a ocorrência simultânea de juros de dois dígitos no Brasil e iminência de retomada das elevações da taxa básica nos EUA ampliam o risco de abalos financeiros e econômicos capazes de arrasar não só empresas em situação frágil como também companhias de maior porte e em melhor condição financeira. Fora do alcance do radar da maior parte dos economistas, a vulnerabilidade externa do Brasil, originadora da crise da dívida dos anos 1980 e uma das principais causas do grave atraso industrial e tecnológico que persiste até hoje, sofreu uma metamorfose, adquiriu novos canais e deverá complicar ainda mais os esforços para recolocar o Brasil, enfraquecido pela privatização e desnacionalização sistemáticas, nos trilhos do crescimento e do desenvolvimento em um eventual governo de oposição, alertam alguns economistas. A história mostra que a sinergia entre a iniciativa privada e o Estado está presente nas experiências de desenvolvimento bem-sucedidas e a possibilidade de uma nova união desses esforços no País parece ganhar corpo, com a renovação de lideranças empresariais e a possibilidade de eleição de um governo favorável ao desenvolvimento, em um contexto mundial de forte retomada das políticas industriais. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1195 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE FEVEREIRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Sob nova direção”
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