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Em plano de governo, PT busca reindustrialização inspirada na economia verde

O Brasil está sendo cada vez mais cobrado pela comunidade internacional a se adaptar às mudanças climáticas

Em plano de governo, PT busca reindustrialização inspirada na economia verde
Em plano de governo, PT busca reindustrialização inspirada na economia verde
Crescimento. A geração de energia limpa pode sustentar a expansão da economia, defende Guilherme Mello, coordenador do plano petista – Imagem: Mateus Pereira/GOVBA e Danilo Verpa/Folhapress
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Na isolada dianteira das pesquisas eleitorais, Lula precisará rever o modelo econômico adotado em seus dois governos se quiser, de fato, ter um terceiro mandato promissor, caso as pesquisas se confirmem e ele seja eleito presidente da República em outubro deste ano. Em seus discursos, o ex-presidente orgulha-se de ter implantado um projeto de inclusão social pelo consumo, da descoberta do pré-sal e das obras do Programa de Aceleração do Crescimento, algumas das marcas dos governos do PT, assim como o Bolsa Família. Não é mais possível, porém, apostar todas as fichas no desenvolvimentismo clássico, desconectado das demandas ambientais. O Brasil está sendo cada vez mais cobrado pela comunidade internacional a se adaptar às mudanças climáticas e a migrar para a economia verde.

No início de fevereiro, as fundações Perseu Abramo, do PT, e Verde Herbert Daniel, do PV, publicaram uma declaração conjunta com propostas de transição socioecológica para o Brasil, com vistas à geração de emprego, renda e riqueza com sustentabilidade. O documento deverá ser apresentado e discutido com o PCdoB e o PSB, legendas que negociam a formação de uma federação com os petistas e os verdes. “Vamos dialogar com aliados, ambientalistas, empresários e setores do agronegócio que sabem da urgência da questão ambiental. Para sair do modelo atual de degradação, precisamos passar pela transição e o Brasil pode ser uma potência ambiental, respondendo positivamente às exigências das emergências climáticas”, destaca José Carlos Lima, diretor da Fundação Verde Herbert Daniel.

“Temos muito mais iluminação solar do que a Alemanha, mas os alemães produzem mais energia solar”, lamenta Cadu Young

Sempre que é questionado sobre esse aspecto, Lula defende a utilização da biodiversidade para o desenvolvimento do País. No fim do ano passado, em discurso no Parlamento Europeu, o petista afirmou não ser possível dissociar o desenvolvimento da preservação do meio ambiente. “Não queremos uma América Latina voltada exclusivamente para o agronegócio e a mineração. Temos total capacidade de sermos industrializados, tecnologicamente avançados. Temos imensas extensões de terras agricultáveis, tecnologia, pesquisas agropecuárias avançadas. Nossa produção de alimentos não precisa desmatar a Amazônia para exportar soja ou criar gado. Acreditamos que somos capazes de construir uma economia justa, movida a energia limpa, sem a destruição do meio ambiente e livre da exploração desumana da força de trabalho”, discursou na ocasião.

No segundo semestre de 2020, o PT lançou o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, um guia-base para o programa de governo de Lula, elaborado a muitas mãos. “São urgentes medidas que freiem as dinâmicas de desenvolvimento predatórias, por um lado, e, por outro, promovam alternativas compatíveis e realizadoras dos objetivos da transição para uma nova sociedade, especialmente voltada para a sustentabilidade. Mais que isso, entendemos o desenvolvimento sustentável como um imperativo para o próprio desenvolvimento econômico”, diz trecho do documento. Guilherme Mello, economista e professor da Unicamp, é um dos coordenadores do programa do PT e reconhece a questão ambiental como um dos motores de expansão da economia brasileira

“É possível desenvolver preservando, desde que você tenha foco em investimentos voltados para a sustentabilidade e inovação na área ambiental. Se a gente seguir destruindo, como estamos fazendo, não só o Brasil, mas o mundo inteiro, é evidente que a humanidade não tem futuro. Sabemos que o investimento ambiental é de altíssima qualidade, pois traz consigo emprego, renda, inovação, além da sustentabilidade”, destaca Mello. “Temos desafios sociais, mas os desafios ambientais se fazem cada vez mais presentes, porque as mudanças climáticas têm acendido o sinal de alerta no mundo inteiro, e no Brasil em particular. É fundamental que essa pauta seja integrada a um modelo de desenvolvimento de uma forma ainda mais decisiva e central.”

Página virada? Os combustíveis fósseis estão com os dias contados, alertam auxiliares do ex-presidente Lula – Imagem: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Enquanto o debate se dá no plano ­teórico, das ideias, tudo parece muito simples. Na prática, os desafios são grandes, mas não impossíveis de ser superados. Pesam vontade política e os acordos que serão feitos com vistas à governabilidade. Duas das áreas mais promissoras e desafiadoras para um eventual governo Lula são as de energia e combustíveis. O Brasil tem um enorme potencial para a produção de energia limpa e para se livrar de combustíveis fósseis, assumindo um modelo de economia de baixo carbono. “A questão energética deve ser um dos componentes necessários para a construção de um Brasil menos desigual e com economia próspera, perfazendo com que toda a nossa oferta de energia seja renovável”, defende Sérgio ­Besserman, professor de Economia da PUC Rio e coordenador estratégico do Climate Reality ­Project Brasil. “É preciso ser mais eficiente e menos predatório. Temos muito mais iluminação solar do que a Alemanha, só que os alemães produzem mais energia solar do que a gente. O mesmo ocorre com a energia eólica. Temos um litoral imenso, com gigantesco potencial”, completa Cadu Young, professor do Instituto de Economia da UFRJ.

Young critica o movimento que acontece neste momento no Brasil para reduzir o preço da gasolina. Para ele, deveria acontecer o contrário. Os indivíduos devem pagar mais por utilizar combustíveis fósseis, como forma de estimular o uso racional dos carros e, com isso, reduzir a emissão de gases de efeito estufa. “O automóvel de motor de explosão está condenado na Europa, as montadoras vão parar de produzir. A China vai no mesmo sentido e o mercado americano também. É óbvio que o mercado internacional vai seguir a tendência, ninguém vai produzir um automóvel de motor para vender ao Brasil e à África. O que interessa são os grandes mercados.”

“Precisamos de uma reindustrialização, mas não para voltar aonde a gente estava antes”, diz Giorgio Romano

Da mesma forma, é consenso entre os economistas a necessidade de recuperar as indústrias brasileiras, muitas delas estão em frangalhos, como a construção civil, praticamente destruída pela Lava Jato. Mas a reindustrialização também precisa ser pensada a partir de uma visão ambiental, apoiada na tecnologia nacional como forma de gerar emprego e renda. De acordo com Guilherme Mello, o PT defende a reconstrução do setor a partir de novas bases produtivas, buscando uma apropriação da evolução tecnológica (inteligência artificial, internet das coisas, impressora 3D, biotecnologia). Assim, seria possível gerar novos empregos e oportunidades de desenvolvimento, introduzindo o País na produção de pesquisas dessas tecnologias.

“Se você for um mero consumidor de tecnologia, só vai ficar com a parte da redução dos postos de trabalho e não da agregação de valor, da geração de empregos mais sofisticados. Mesmo que você tenha um arranjo macroeconômico desejável, com câmbio competitivo, juros baixos, haverá dificuldade de competir, por exemplo, com a China, com o complexo asiático e mesmo com a Europa e com os EUA, que têm um acúmulo maior em tecnologia, investimentos e infraestrutura”, salienta Mello. “O Estado indutor é muito importante nesse processo. Ele pode demandar, financiar, oferecer apoio técnico. Existem várias formas de interrelacionar a ação do Estado com o capital privado. Precisamos encontrar as melhores maneiras para desenvolver o potencial produtivo que atenda às nossas demandas sociais e ambientais.”

Para o economista José Luís ­Fevereiro, a utilização de tecnologia nacional será determinante para a retomada da industrialização. “Temos empresas com ­expertise na construção civil pesada, vantagens comparativas excepcionais para desenvolver tecnologia e conhecimento próprio na área de fármacos e temos grande potencial de geração de energia limpa com tecnologia própria”, explica. “O Brasil precisa procurar as possibilidades de uma reindustrialização, mas não uma reindustrialização para voltar ­aonde a gente estava antes. É preciso avançar com inovação, numa base industrial para ter autonomia, soberania, aumentar a produtividade, combater a pobreza e gerar emprego, considerando a questão ambiental e as necessidades do povo brasileiro”, completa Giorgio Romano, professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC e membro do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1195 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Pela superação do modelo predatório”

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