Esther Solano

esther@cartacapital.com.br

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

assine e leia

O feminismo está em todo lugar, não tem espaço que não deva ser ocupado

As ideias de igualdade de gênero e contra o patriarcado não estão apenas nos livros acadêmicos. Que bom

O feminismo está em todo lugar, não tem espaço que não deva ser ocupado
O feminismo está em todo lugar, não tem espaço que não deva ser ocupado
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

Camila Rocha e eu coordenamos uma pesquisa com o Instituto Update sobre mulheres conservadoras. A ideia é pensar como podemos construir uma agenda feminista convergente, de confluências e encontros, para poder avançar na construção de um Brasil menos misógino e violento, menos letal para nós. Um Brasil que nos represente, que nos inclua.

Em breve, os resultados serão públicos, mas queria adiantar uma questão relevante que apareceu nas entrevistas: como elas se informam, leem, pensam sobre feminismo. Bem, estou acostumada a ler sobre feminismo nos livros, a debater sobre ele na universidade, a estudar feministas que fizeram História com suas palavras, textos, atos. Mas a maioria dessas mulheres que Camila e eu entrevistamos, especialmente as jovens, está distante dos textos acadêmicos, das digressões teóricas do feminismo, da autora ou do livro do momento, do conceito em inglês mais atual. Elas dizem aprender e falar do assunto majoritariamente online, com mulheres que elas consideram modelos femininos.

Vejamos algumas declarações:

As mulheres que eu sigo falam sobre maquiagem, roupa, mas também falam sobre coisas importantes. Eu sigo ­Shantal ­Verdelho, é uma influencer, ela traz o que as blogueiras fazem, divulga marcas, mas também sobre coisas importantes, ­sobre feminismo, sobre o papel da mulher.

Camila Cabello é uma cantora e fala bastante sobre as coisas que acontecem no mundo, quando estavam acontecendo as enchentes, ela postava, pedia doações.

Acho muito interessante ler livros sobre feminismo, até eu já li sobre as ­sufragistas, mas eu acho muito interessante ouvir ­pessoas nas redes como as blogueiras e elas também trazem de outras formas, a forma como essas blogueiras conseguem passar informação às pessoas de forma simples, de uma forma descontraída, é bom porque elas têm um público feminino muito grande e esse feminismo ainda pode não ser muito aceito na nossa sociedade, que é extremamente machista. Pessoas como elas, que têm um público maior feminino, é muito interessante porque está entre mulheres e as mulheres entendem (entrevistada T).

Mulheres modelos para outras mulheres. Mulheres que são vistas como empoderadas, como mulheres fortes. Mulheres que ajudam outras mulheres a seguir em frente, a ganhar autoestima. Mulheres que com frequência, em muitos circuitos acadêmicos mais ortodoxos, são vistas, porém, com menosprezo. Por ser blogueira, instagramer, tiktoker, não segue os cânones tradicionais.  Mulheres que com muita frequência são evangélicas, católicas, pastoras, cantoras gospel, mas também lidas em chave feminista por muitas de suas seguidoras, pois são mulheres que encorajam, que lutam, que representam.

Sigo bastante Debora Pires, da Comunidade Shalom, Larissa Garbiati, da Comunidade Colo de Deus, a Carol Borges, da Shalom… E tem outras: Victoria Maciel, Clara Tafner, Renata Lima, ­Carolina Viana, Samia Marsili, Rebecca Athayde, todas são católicas. Eu gosto delas, a forma que elas abordam temas voltados à sexualidade, que muitas vezes ficam tabu muito grande na Igreja e não deveriam ser. São mulheres fortes. E elas me aproximam mais de minha fé (entrevistada E).

Sim, eu também gosto da Adriana ­Arides, uma cantora católica, gosto dos posicionamentos dela, ela é forte, mas ela é família tradicional. A Simone, a mulher que trabalha, que é empresária, mas que também gosta de estar com a família, eu me vejo muito nela. Ela também não aceita injustiça e aí o esposo dela que é muito unido, muito companheiro, me representa demais (entrevistada J, mãe da entrevistada E).

Hoje eu queria dar a palavra para as nossas entrevistadas, para dizer que o feminismo está em todo lugar, não tem fronteira, não tem espaço que não deva ser ocupado. Obviamente, não vou romantizar nem mistificar a politização via redes sociais, como se não houvesse inúmeros problemas nela envolvidos, mas o fato, meus amigos, é que muitas coisas acontecem no universo online, muitas coisas que ficam de fora de nosso radar, mas que são muito potentes. O fato é que muitas mulheres jovens encontram seus modelos femininos e suas formas de expressar o feminismo em blogueiras de maquiagem, cantoras gospel ou artistas como a Anitta ou Marília Mendonça, apresentadoras de tevê como a Maju ou atrizes como a Nanda Costa. Esse é o fato, podemos mergulhar mais, entender, abraçar ou podemos negar a evidência.

Que bom que os espaços são ocupados. Que bom que há lutas feministas de vários formatos, de várias configurações, para várias formas de ser mulher. Que bom que as mulheres encontram outras mulheres para se sentir mais fortes, para sobreviver. E que ruim se não reconhecermos isso. Que ruim se não buscarmos soluções para um Brasil que nos mata, soluções entre todas, com todas. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1195 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Feminismo online

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo