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A região Nordeste rejeitou o negacionismo e ostenta as menores taxas de contágio e óbitos por Covid do Brasil

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O Maranhão investiu na assistência das comunidades indígenas – Imagem: Secretaria da Saúde do Estado do Maranhão/GOVMA
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Com cerca de 60 milhões de habitantes, o Nordeste é a região com o menor número de infecções e óbitos por ­Covid-19 do País. Na quarta-feira 2, quando o acumulado nacional registrava 628 mil mortes e 25,6 milhões de casos em quase dois anos de pandemia, o Nordeste atingia a casa de 121.876 mortos e 5,4 milhões de pessoas infectadas pelo Coronavírus, o que significa menos de 20% da estatística nacional, bem abaixo dos 27,5% que os nordestinos representam da população total do Brasil. Em outra comparação, é possível afirmar que o ­País se aproxima de 295 óbitos por 100 mil habitantes, enquanto, no Nordeste, esse cálculo gira em torno de 200 mortes.

Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, a situação mais crítica é a do Centro-Oeste, que lidera o número de mortes por 100 mil habitantes e disputa com o Sul a maior quantidade de infectados. O Sul e o Sudeste brigam pela segunda colocação entre os óbitos e o Norte e o Sudeste estão com dados semelhantes em relação ao número de infectados.

Se, proporcionalmente, o Nordeste apresenta os melhores resultados no acumulado, esse quadro nem sempre foi assim. Em março de 2020, os estados nordestinos disputavam com o Norte os piores índices e somavam 35% dos casos e óbitos do País. Essa situação só começou a mudar em junho daquele ano, quando os governadores dos nove estados passaram a atuar em bloco, alinhados com o Consórcio Nordeste, e começaram a colher os frutos das medidas adotadas para o enfrentamento não só à pandemia, mas também ao negacionismo do governo federal.

“No Brasil houve uma absoluta falta de coordenação, dizia-se que a doença não era grave, que era um resfriadinho. Depois, Jair Bolsonaro foi contra o uso de máscaras e o isolamento social. Então, os governadores do Nordeste criaram o Comitê Científico, que passou a emitir boletins com recomendações. E, de maneira geral, os governantes têm seguido a nossa orientação”, explica Sérgio Rezende, coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, a apontar dois motivos que contribuem para a região ter um resultado melhor: “Em todo o Nordeste, o presidente foi derrotado nas eleições de 2018, ele tem menos seguidores para suas macabras recomendações”.

“Aqui, Bolsonaro tem menos seguidores para suas macabras recomendações”, celebra Sérgio Rezende

Primeiro presidente do Consórcio, o governador da Bahia, Rui Costa, diz que a maior dificuldade no início da pandemia foi a inexistência de uma coordenação nacional. “Em muitos momentos, o governo federal se omitiu, foi contra as medidas que nós, governadores, adotamos. Além de não ajudar, atrapalhou muito. Diante disso, houve uma união maior e a cooperação entre os estados”, lembra. “O governo central jogou contra os estados e municípios. Se o Brasil tivesse seguido o exemplo do Nordeste, mais de 250 mil brasileiros estariam vivos”, completa o governador do Piauí , Wellington Dias.

Dos nove estados nordestinos, o Maranhão é o que apresenta os melhores porcentuais. A situação mais favorável dos maranhenses não é por acaso. O governador Flávio Dino foi o primeiro a decretar lockdown no País, em maio de 2020, e a criar seu próprio comitê científico, o que ajudou o governo a se antecipar e construir hospitais específicos para atender pacientes de Covid. “Quando voltei da primeira reunião com o Ministério da Saúde para discutir a pandemia, disse ao governador que não teríamos ajuda do governo federal”, relembra Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do ­Conass. Outra estratégia adotada pelo governo maranhense foi investir na assistência de saúde dos municípios, comunidades indígenas e quilombolas, para não sobrecarregar o sistema de saúde da capital.

Com 388 mil pessoas infectadas pelo Coronavírus, 10.495 óbitos e uma população aproximada de 7 milhões de pessoas, o Maranhão tem menos de 150 mortes por 100 mil habitantes, abaixo da Bahia e Alagoas, que também não chegam a 200 mortes por 100 mil habitantes. Apenas Sergipe e Ceará ultrapassam o acumulado de 250 óbitos por 100 mil habitantes, mesmo assim se mantêm abaixo dos dados nacionais. Para Rezende, o motivo que levou o Ceará a ter o pior desempenho da região foi o enorme contingente populacional do Estado, associado à desigualdade social.

Segundo o governo cearense, também contribuiu o fato de o estado ser um dos destinos mais procurados da região por turistas internacionais. “Antes mesmo da confirmação do seu primeiro caso, o governo buscou o cancelamento temporário das rotas internacionais, mas não foi atendido pelos órgãos federais”, justifica nota do Executivo cearense.

Estados: Monitora Covid Fiocruz Brasil/Our World in Data – Adaptado pelo Consórcio Nordeste

A curva de casos e óbitos no Nordeste começou a cair em junho de 2020 e, em outubro, só ficava acima do Sul. No início de 2021, a região assumiu o posto de melhores índices de óbitos e casos, situação que se manteve durante todo o ano passado e permanece ainda hoje. Esse resultado pode, porém, ser ameaçado pelo aumento do contágio nas aglomerações de grandes eventos que têm acontecido na região e com o grande número de turistas que circulam neste período de sol e praia.

Seguindo a tendência de quase todo o Brasil, os nove estados nordestinos começam a apresentar alta no número de casos de Covid e a rede de saúde dá sinais de colapso. “A disseminação do vírus no ­País tem sido como as anteriores: inicia-se pelas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e amplia-se para o Nordeste e o Norte do País. O mesmo acontece no caminho capital-interior dos estados, pelo fluxo viário”, observa Bernadete Antunes, professora de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade de Pernambuco.

Preocupado com o avanço da Ômicron, o Comitê Científico do Consórcio Nordeste emitiu, na terça 1º, um boletim recomendando o cancelamento do feriado de Carnaval e a proibição das festas. E sugeriu aos estados um reforço na vacinação. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1194 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Recompensa por seguir a ciência”

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