Frente Ampla

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Momento de convergência

O melhor formato institucional para a unidade do campo de esquerda é a Federação Partidária

Momento de convergência
Momento de convergência
Governador do Maranhão, Flávio Dino. Foto: Gilson Teixeira/GMA
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O Brasil chega ao bicentenário de sua Independência buscando olhar para um futuro que supere seus problemas do passado, sob o peso de um presente marcado por tragédias. Ao longo desses 200 anos, o País teve de lutar contra vários traumas que até hoje o assombram. Cito apenas dois deles, por mais estruturantes: a escravidão, que deixou um brutal legado de desigualdade social, e a falta de democracia, que ceifou dos brasileiros, desde o nascimento da nação, a cultura de participação na vida política. Nossas elites se acostumaram a achar que podem decidir tudo por cima, mantendo e ampliando suas benesses, sem consultas ao povo.

Ao longo dos percalços da vida nacional, o que sempre impulsionou o Brasil a buscar superar seus males foi a formação de frentes políticas amplas, capazes de quebrar a força de grupos poderosos. Foi assim na luta pela abolição da escravatura, no século XIX, e na superação da ditadura, no século XX. É também o que vem permitindo ao Brasil resistir aos golpes ocorridos no passado recente. Basta olhar para os últimos cinco anos e ver a quantidade de reveses significativos que ficarão marcados na história do País. Uma suposta cruzada contra a corrupção que prejudicou a exploração do pré-sal por parte da Petrobras e levou à desastrosa política de paridade internacional de preços dos combustíveis; um golpe inconstitucional contra uma presidente democraticamente eleita e uma farsa que conduziu um despreparado à Presidência. Em um curto espaço de tempo, esses episódios destruíram conquistas de décadas, como o domínio sobre os recursos do petróleo, os direitos dos trabalhadores e as liberdades políticas.

A democracia do Brasil sobreviveu a esses episódios porque contou com proteção ampla. Hoje, a oposição ao desgoverno Bolsonaro não se restringe às legendas de esquerda, uma vez que muitos atores políticos e sociais atualizaram suas posições. Gente que pode não concordar com todos os posicionamentos de uma ou outra liderança de esquerda, mas entende que o Brasil não pode mais ficar nesta situação. É essencial que essa amplitude atingida na oposição ao bolsonarismo seja mantida. Quando não a alcançamos, foi justamente quando sofremos nossas maiores derrotas.

A amplitude tem de ser mantida ao longo deste ano, para conduzir a uma vitória eleitoral que interrompa o projeto de destruição nacional em curso e que dê estabilidade política a um governo amplo que terá de se formar. Dentro do campo da esquerda, essa unidade deve ser sólida e exemplar. Qualquer processo de transformação só se sustenta com um núcleo organizativo coeso, que se mantém unido.

Hoje, o melhor formato institucional para essa unidade é a Federação Partidária. Ela garante a manutenção da identidade histórica de cada partido, mas conduz à atuação em conjunto das legendas por quatro anos, reduzindo a instabilidade típica de meras coligações. As alianças que, por vezes, visavam só o período eleitoral e acabavam antes da posse, transformam-se agora em união por um período de quatro anos.

Ademais, é exigido pela lei um programa comum a todos os partidos da federação, sendo, portanto, imprescindível uma convergência de ideias e propostas, o que fortalecerá os liames entre as bases partidárias. E haverá direções unificadas desde os municípios até o nível federal, o que exigirá constantes diálogos e pactuações. Para além do campo da esquerda, ressalte-se que as federações partidárias vão reduzir a fragmentação política no Congresso Nacional, o que é desejável, mas sem um “partidicídio” autoritário. Um país complexo e vasto como o Brasil não cabe no bipartidarismo imposto, como houve durante a ditadura e fracassou.

Temos exemplos interessantes em países que tiveram de se reconstruir, como o Uruguai e a África do Sul. Nos dois houve arranjos partidários amplos para superar regimes de exceção e dar estabilidade às mudanças necessárias. No Uruguai, a Frente Ampla retomou a legalidade plena após o fim da ditadura naquela nação e governou por 15 anos. Na África do Sul, o Congresso Nacional Africano foi outro partido que, em décadas, tornou-se abrigo de diferentes forças políticas na luta contra o apartheid. Quando chegou ao poder, com Nelson Mandela, aplicou uma política ampla de alianças. Ambos os constructos institucionais deram estabilidade social aos governos para que implementassem políticas que permitiram aos países voltar a respirar os ares da democracia.

Todos os argumentos que cito aqui sobre a necessidade de construção de uma Frente Ampla são lastreados na racionalidade. Tratam da eficiência política para realizar as mudanças que o País precisa. Mas partem também de sentimentos profundos que nos guiam: o amor pelo Brasil e o respeito aos cidadãos e cidadãs detentores de direitos. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1194 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Momento de convergência”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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