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Rever a reforma trabalhista não significa dar passos atrás, e sim caminhar para a frente

Se um trabalhador é excluído da Previdência, onde ele estará daqui a alguns anos? Obviamente, em busca de um justo benefício assistencial, custeado pela sociedade

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A revisão da reforma trabalhista no Brasil entrou para o noticiário na virada do ano. O estímulo para a discussão veio da Espanha, que fez um novo acordo sobre medidas tomadas dez anos atrás. Em boa hora, o ex-presidente Lula colocou o assunto na pauta do dia. Trata-se de um debate do qual o governo federal e o Congresso Nacional não poderão fugir.

Com efeito, as reformas iniciadas em 2016 ocorreram em meio a uma promessa “milagrosa” de criação de empregos. A reforma trabalhista enfraqueceu a organização sindical, dificultou o acesso dos trabalhadores à Justiça e precarizou as relações trabalhistas. O reformismo equivocado ajudou a levar o desemprego para o nível altíssimo de 13,9% em março de 2017. Segundo a consultoria Austin Rating, o Brasil tem hoje o quarto maior desemprego entre 43 países, o dobro da média mundial.

Vale enfatizar que tudo isso reforçou uma terrível marca da história brasileira: a concentração de riqueza nas mãos de poucos. A supressão de direitos trabalhistas e a perda da capacidade de mobilização dos sindicatos conduzem à redução da participação da renda do trabalho, aumentando a pobreza e debilitando um ativo estratégico do nosso país: um forte mercado de consumo de massa.

A revisão da reforma não pode, porém, ser um mero “retorno ao passado”. Na Espanha, o governo está atento, por exemplo, à realidade dos trabalhadores por aplicativo, que demanda novas normas. O Brasil está numa situação que especialistas chamam de desindustrialização precoce, pois nossa economia não atingiu todo o potencial manufatureiro e regrediu. A indústria perdeu peso no Produto Interno Bruto e houve especialização em commodities e serviços, com muita informalidade. Neste cenário, é salutar o início do debate sobre a revisão da reforma trabalhista, dentro de uma nova realidade da economia e das necessidades da população.

No fim de 2021, o Judiciário colocou em xeque certos “dogmas” da ideologia do trabalho precário. O Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a existência de vínculo empregatício de um motorista com uma empresa de aplicativo de transporte. Cuida-se de um precedente ainda isolado e oriundo de uma Turma, mas é importante na medida em que rompe com o monolitismo até então reinante.

O Brasil criou nos anos 1930, sob a liderança de Getúlio Vargas, a ideia de “sociedade do trabalho”. Os governos Lula e Dilma conseguiram transformar crescimento econômico em política de distribuição de renda (ganhos salariais reais, formalização do emprego, valorização do salário mínimo). Precisamos, agora, retomar esse caminho, assentado em um novo projeto nacional de desenvolvimento. A revisão da reforma trabalhista é parte importante de tal projeto, pois a dignidade do trabalho e os direitos dos trabalhadores não são obstáculos ao desenvolvimento. Ao contrário, os direitos dos mais pobres ajudam a dinamizar a economia, estimular investimentos e, sobretudo, são vitais para uma sociedade em que haja paz.

Rever a reforma trabalhista não significa dar passos atrás, e sim caminhar para a frente, no caminho certo. Para esta revisão, sem dúvida, é preciso estar atento a novas tecnologias e a novos serviços, porém jamais isso pode significar a renúncia a padrões mínimos de proteção social, inclusive porque isso é uma brutal irresponsabilidade fiscal. Afinal, se um trabalhador é excluído da Previdência Social, onde ele estará daqui a alguns anos? Obviamente, em busca de um justo benefício assistencial, que será custeado por toda a sociedade, enquanto o tomador do serviço (plataformas tecnológicas, por exemplo) com nada terá contribuído, não obstante tenha auferido gigantescos lucros com o trabalho alheio.

Voltando ao exemplo da Espanha, a revisão da reforma trabalhista deve ser pactuada com empresas e trabalhadores, tendo o governo e o Congresso como coordenadores e mediadores. Ultrapassado o atual ciclo de trevas, necessitamos revalorizar o diálogo e os pactos sociais, encerrando esse período em que o salutar debate nacional foi substituído por fake news, cercadinhos e tenebrosas transações com o “orçamento secreto”. Os gerentes dessas falcatruas, além de roubar dinheiro público como nunca antes se viu, também querem roubar o debate de ideias, substituindo a democracia pela lógica miliciana da destruição e do ódio.

A revisão da reforma trabalhista deve ser a afirmação de um reformismo sintonizado com a Constituição Federal de 1988, paradigma maior de uma sociedade justa e solidária, em que as desigualdades sociais sejam combatidas e, para tanto, o trabalho humano seja respeitado. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1192 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE JANEIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Reformismo equivocado”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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