Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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O poeta-goleiro

Thiago de Mello foi, além de autor de versos memoráveis e defensor da floresta, goleiro do time da Iposeira, que dividia com amigos

O poeta-goleiro
O poeta-goleiro
O poeta amazonense Thiago de Mello. — Foto: André Argolo/Divulgação
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A convocação mais sentida destes dias foi a do goleiro-poeta ­Thiago de Mello, a dignidade em forma de poesia. Com a altivez exposta em sua extensa e intensa lista de poemas sustentando a integridade do homem e a paixão por sua terra amazônica, Thiago partiu aos 95 anos, na semana passada.

De sua obra são exemplos conhecidos O Estatuto do Homem, Vida Verdadeira, Madrugada Camponesa, Faz Escuro, Mas Eu Canto – a mais comentada no momento e que, por ser tão atual, virou até mesmo título da Bienal de São Paulo. Em ­Estatuto do Homem, ele escreveu: “Fica decretado que agora vale a verdade”.

Thiago de Mello, em sua incansável luta pela floresta – uma marca permanente do seu trabalho –, passou a trocar a palavra preservação pela expressão “salvação da vida”. Inspirado por ele, também passei a adotá-la.

A floresta, para a humanidade, é questão de sobrevivência. A desarmonia com a natureza tem se feito bastante presente nos nossos dias, e de forma cada vez mais frequente e avassaladora – que o digam as tragédias provocadas pelas águas na Bahia e Minas Gerais.

Entre os filhos de Thiago de Mello, conheci o Manduka, amigão, grande artista, músico que fez parcerias com ­Dominguinhos, entre muitos outros. Desde pequeno apaixonado por futebol, Manduka era próximo do Botafogo – seu tio Gaudêncio foi preparador físico no clube. Quando retornou do exílio do pai, quis imediatamente rever o Maracanã. Fomos então ver o Botafogo contra o Guarani de Zenon, Careca e outras feras.

O time de Campinas estava afiado e jogou o fino. Do resultado nem me lembro. Mas lembro-me bem de que, no fim do jogo, virei-me para o Manduka e, entusiasmado, falei: “Esse time, se usasse a camisa do Botafogo, seria campeão brasileiro”. E não deu outra. O Guarani fechou o ano com o merecido título.

Manduka se foi, prematuramente, no ano de 2004. Mas temos tido a alegria de conviver com a filha dele, Isabella, que nos visita de vez em quando aqui em ­Paquetá. De Thiago de Mello, que andava pelas bandas da Amazônia, em Barreirinha, fica a delicadeza de seus versos:

O homem confiará no homem/ como um menino confia em outro menino.

O silêncio é um campo/ plantado de verdades/ que aos poucos/ Se fazem palavras.

Em uma de suas entrevistas, o poeta afirmou: “Pelo pouco que sei de mim, de tudo que fiz, posso me definir por contente. Servi à vida me valendo das palavras”.

E ele fez muito. Foi, além de poeta, um grande goleiro do time da Iposeira, que dividia com amigos amantes do futebol, como o acreano Armando Nogueira.

Thiago de Mello tem lugar garantido no Céu, onde, certamente, chegou impecável, todo trajado de branco, como sempre quis.

Aqui na Terra, botando de volta a bola no chão, seguem a Copa Africana e a Copinha, que vai chegando ao fim na tradicional data do aniversário da cidade de São Paulo – 25 de janeiro.

Enquanto isso, acontecem as premiações europeias e os sorteios e divulgação de tabelas para serem cumpridas durante a temporada que se inicia – com a ­Copa do Brasil e os campeonatos estaduais. As premiações, diga-se, são reveladoras de uma temporada menos empolgante.

Digo isso sem desmerecer o extraordinário polonês Robert Lewandowski, que joga no Bayern de Munique, e foi eleito o melhor do mundo pela Federação Internacional de Futebol (Fifa).

Como melhor treinador ganhou ­Thomas Tuchel, do britânico Chelsea. Apesar de seu time estar, no momento, em baixa, sem vencer há quatro rodadas, ele deu prova da firmeza de suas convicções.

No lugar daquelas “manjadas” acusações tão comuns entre nós – de farras, noitadas etc. –, concedeu dois dias de folga ao elenco, reconhecendo o excesso das exigências impostas à equipe. Consciente do risco de estafa do time, Tuchel declarou: “É necessário desconectar meus jogadores por uns dias”.

No futebol feminino, venceu a espanhola Alexia Putellas, que já havia levado a Bola de Ouro no fim de 2021. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1192 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE JANEIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O poeta-goleiro”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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