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Opinião

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Os clubes-empresa

Seguidor do modelo de Sociedade Anônima, o investidor norte-americano do Botafogo promete equiparar o time aos grandes do momento

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John Textor negociou a compra de 90% da SAF
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Escrevo esta coluna de Feira de Santana, para onde vim como convidado do III Encontro do Rádio Esportivo da Bahia, que homenageará jogadores destacados da história do futebol feirense.

Vim muito cabreiro pelo recrudescimento da pandemia, agora impulsionada pela variante Ômicron, que, apesar de ter menor letalidade, se espalha feito rastilho de pólvora.

Mesmo com o propósito de me recolher na passagem do ano, não pude falhar no compromisso assumido com os amigos da querida “Princesa do Sertão”, a pujante boca do sertão baiano. E não me arrependo.

Está realmente muito boa e bem representativa a reunião de torcedores, jornalistas, dirigentes desportivos e jogadores para uma proveitosa troca de opiniões sobre o aflitivo momento do esporte em geral, e do futebol brasileiro em particular.

Como era de se esperar, os temas recorrentes nos encontros vêm sendo a expansão da figura da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), a Copa de 2022, no Catar, e o universo administrativo e político dos clubes, além da situação profissional dos atletas.

Têm sido conversas bastante proveitosas, sobretudo, neste momento em que a inquietação que se espalha pelo País como um todo se reflete no esporte – isso, na verdade, acaba por ser sempre assim. O fato de a Bahia não ter hoje times na Série A e de os clubes tradicionais de Feira de Santana estarem em crise tornou o Encontro ainda mais instigante.

No momento em que as SAFs estão no centro das discussões em todos os lugares e deve haver uma enxurrada de clubes adotando o modelo, é bom que se debatam as variantes que existem no Brasil e no mundo.

Há desde os sistemas mais obsoletos, com resultados idem, passando pelos dependentes da “caridade” que, na prática, não vão se sustentar, até os mecenas profissionais que têm, de fato, de vencer campeonatos importantes – foi esse o caso do Atlético Mineiro este ano novamente.

Em todos os casos, ao torcedor, o que interessa, é ver seu time campeão. Se o time vencer, não importa, para o torcedor, de onde veio o dinheiro. Se de árabes, americanos, chineses, russos; do petróleo, dos diamantes, das drogas; ou do jogo do bicho. Temos tido o conhecimento de casos em que milionários vindos de ­países paupérrimos compraram times até da Premiere League, a liga profissional do futebol inglês.

O investidor norte-americano John Textor, que negociou a compra de 90% da SAF do Botafogo, esclareceu, em uma entrevista, a sua visão. Ele diz que deseja construir um time à altura de suas histórias – a dele e a do clube – e promete equiparar o futebol brasileiro aos grandes do momento, trazendo craques experientes que ajudem a valorizar as revelações da base.

Nesse contexto, uma possibilidade bem provável é a de que os clubes que não preparam os jovens para suas equipes, mas sim para exportação – queixa absolutamente comum entre os torcedores – acabem assumindo de vez essa subordinação. Essa lógica tem muitas nuances, mas, no fim das contas, o que cabe a quem defende os clubes é encontrar maneiras de evitar que, ao final da concessão, reste apenas terra arrasada. A tendência me parece ser a de que, ao final dessa moda, sobre uma estrada esburacada.

Esta semana, três falas sobre o assunto chamaram minha atenção. Uma delas coube ao mecenas atleticano de Minas: “Nós não estamos com dor de cabeça como outros clubes”. A outra foi do próprio Textor, dizendo que os brasileiros estão muito ansiosos e recomendando calma. A terceira coube ao treinador português Jesualdo Ferreira, mentor da nova geração de técnicos lusitanos, que ficou poucos dias no Santos F.C. Ele disse, com razão, que os brasileiros estão atrasados em relação ao futebol mundial.

Em meio a essas mudanças, muitas delas talvez necessárias, a única que não dá para engolir é o escárnio de se dizer que o esporte profissional é uma atividade sem fins lucrativos. Não é aí que mora o problema. O que precisamos, na verdade, é democratizar os poderes dentro dos clubes.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1191 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JANEIRO DE 2022.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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