Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

As aventuras de um rato de banca

Tem quinze dias que estou procurando a revista Quatro cinco um para comprar aqui em São Paulo e não encontro

As aventuras de um rato de banca
As aventuras de um rato de banca
Imagem: iStock
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Os anos setenta nem tinham chegado ainda e eu já era rato de banca. A banca de Seu Benito, no coração da Savassi, era daquelas super bancas que vendia revistas americanas, a New Yorker, a Time, a Life, a Look. Eu ficava doido observando aquelas capas maravilhosas e sonhando um dia ser jornalista.

Quase todo dia passava na banca do Seu Benito pra ver as principais manchetes dos jornais dependurados com pregadores de roupa. Eram notícias sobre as loucuras de Jânio Quadros, depois vieram as reformas de base, agrária, João Goulart e o golpe militar que chamavam de revolução.

Parava pra ver as misses na capa da Manchete, as beldades na capa da Joia, Ângela Maria na capa da Revista do Radio, Ronnie Von na capa da Intervalo, Leila Diniz no Pasquim. As bancas transbordavam de jornais e revistas: além do Globo, do Estadão e da Folha, tinha o Jornal dos Sports, a Gazeta Mercantil, o Diário de Minas, o Correio da Manhã, o Jornal do Brasil, o Noticias Populares, O Jornal e tantos outros.

Pilhas e mais pilhas de Mickey, do Almanaque do Tio Patinhas, o Pato Donald, Príncipe Valente, Tarzan, Capricho, Noturno, Querida. Nada escapava aos meus olhos, até mesmo as revistas escondidas dentro do plástico azul que eu ficava imaginando Florinda Bulcão com os seios de fora.

Aí chegaram os fascículos da Abril. Os Grandes Compositores da Musica Universal, a Bíblia Mais Bela do Mundo, Conhecer, a História da Musica Popular Brasileira, Os Cientistas, Os Pensadores.

Ver um disco de Tchaikovsky, um disco de Catulo da Paixão Cearense, uma ópera Aída na banca de Seu Benito me enchia de alegria e nenhuma preguiça. Trabalhava no Serviço de Defesa Vegetal e todo dinheiro que ganhava no fim do mês ia pro Seu Benito.

Esse mundo acabou.

Tem quinze dias que estou procurando a revista Quatro cinco um para comprar aqui em São Paulo e não encontro. Na banca da Rua Tito a moça me convidou para entrar e procurar, ver se eu achava, porque ela não sabia se tinha.

Na banca da Rua Faustolo, o Severino disse que ia tentar na distribuidora, mas não garantia que ia conseguir.

Na Banca da Martins Fontes, o senhor foi curto e grosso: já recolheram!

Na Banca da Marco Aurélio, não vendem mais revistas nem jornais, só Coca Cola, Gatorade, capinhas de celular, bonés, cavalinhos do Fantástico, plaquinhas esmaltadas: Bacurau, se for, vá na paz, Divino Maravilhoso, Eles passarão Eu Passarinho.

Na banca da Praça Charles Miller, a moça disse que não recebe mais a Quatro cinco um.

Depois de perambular por Pinheiros, Vila Madalena e Alto da Lapa, desisti. Liguei pra Livraria da Travessa e me disseram que tinham sim a Quatro cinco um. Perguntei se era a Stella do Patrocínio na capa, confirmaram que sim.

Ufa!

– Você pode guardar uma para mim?

Fiquei de passar lá, amanhã às dez horas, assim que a livraria abrir, porque hoje, o rato de banca morreu.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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