Cultura
Verdades verdadeiras
Em coletânea de contos, o sul-africano J. M. Coetzee retoma Elizabeth Costello, uma de suas personagens mais famosas
A forma do conto não permite tropeços. Não há tempo para recuperação após uma queda. O sul-africano J. M. Coetzee mostra, na coletânea Contos Morais, estar ciente disso. O livro é composto de sete narrativas contidas, sem espaço para desvios ou pirotecnias literárias, escritas entre 2008 e 2017. Todas são protagonizadas por mulheres. Quatro delas por uma de suas criações mais famosas: Elizabeth Costello, personagem-título de um livro lançado em 2003, mesmo ano em que ele ganhou o Nobel.
A ideia de Contos Morais talvez dê uma impressão errada de narrativas moralizantes. Mas elas são o contrário disso: tratam de questões do nosso tempo. As vozes femininas que Coetzee coloca como centro de consciência nas histórias se deparam com uma encruzilhada que lhes pede uma ação – que nem sempre será tomada.
Os três primeiros textos, O Cachorro, Conto e Vaidade, são curtos e rápidos, quase anedotas sobre mulheres que tomam atitudes levemente drásticas em suas pequenas vidas comuns. Mas é, sobretudo, naqueles protagonizados por Costello que o autor mostra sua força: Quando Uma Mulher Envelhece, A Velha e os Gatos, Mentiras e Matadouro de Vidro.
A personagem, uma escritora que viajou o mundo e desvendou mistérios da alma humana, sabe que sua vida está próxima do fim. “O que eu acho inquietante, ao envelhecer (…), é que ouço, saindo da minha boca, palavras que um dia ouvi de velhos e jurei que nunca diria. Coisas como onde este mundo vai parar”, diz ela ao filho. Nessa crise da maturidade, Costello instala-se numa vila na Espanha, onde passa os dias entre escrever e cuidar do “idiota da aldeia” e de centenas de gatos abandonados.
Coetzee, nesses contos, está mais interessado na discussão de ideias do que de narrativas. Os diálogos, em especial entre Costello e seu filho, estão a serviço da elaboração de pensamentos.
Sabendo que o fim não tarda a chegar, ela quer que ele lhe diga aquilo a que chama de “verdades verdadeiras”. “Quando a morte disser Venha, você terá de baixar a cabeça e ir. Portanto, aceite. Aprenda a dizer Sim”, escreve o filho numa carta endereçada à sua companheira. São palavras que ele deveria ter dito para a mãe, mas faltou-lhe coragem para isso. E essa é a ideia que mais bem resume a coletânea: as verdades, mesmo aquelas não ditas, precisam ser aceitas quando se materializam na vida, ou com a morte.
CONTOS MORAIS J. M. Coetzee. Tradução: José Rubens Siqueira. Companhia das Letras (152 págs., 54,90 reais)
Publicado na edição nº 1186 de CartaCapital, em 8 de dezembro de 2021.
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