Política

assine e leia

Senadores estão dispostos a viabilizar o Auxílio Brasil, mas sem a moratória dos precatórios

Muitos senadores ainda não definiram o voto. Até mesmo a bancada do Nordeste, que concentra o maior porcentual de beneficiários, se divide

Senadores estão dispostos a viabilizar o Auxílio Brasil, mas sem a moratória dos precatórios
Senadores estão dispostos a viabilizar o Auxílio Brasil, mas sem a moratória dos precatórios
Jogo duro. O relator Bezerra Coelho (de pé) acolheu sugestões de colegas. Ainda assim, a aprovação é incerta
Apoie Siga-nos no

Na tentativa de ressuscitar seus planos de reeleição, Jair Bolsonaro aposta todas as fichas na implantação do Auxílio Brasil, em substituição ao Bolsa Família, extinto depois de 18 anos, apesar de ter sido apontado como um programa de referência pelas Nações Unidas no combate à fome. Depois de conseguir a aprovação da PEC dos Precatórios na Câmara dos ­Deputados, o governo enfrenta maior resistência no Senado. A proposta prevê um calote bilionário das dívidas judicializadas da União para viabilizar o pagamento dos benefícios. Fernando ­Bezerra Coelho, líder do governo no Senado e relator da PEC, dispôs-se a acatar sugestões de colegas. Ainda assim, o Planalto estima ter entre 51 e 53 votos, margem estreita demais diante da exigência de ao menos 49 votos favoráveis.

Muitos senadores ainda não definiram o voto. Até mesmo a bancada do Nordeste, que concentra o maior porcentual de beneficiários, se divide em relação ao tema. Na quarta-feira 24, Bezerra Coelho apresentou o parecer à Comissão de Constituição e Justiça da Casa com algumas alterações em relação ao texto aprovado na Câmara. Houve um pedido de vista coletivo ao relatório, partindo de muitos senadores, o que levou o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, a programar a votação do documento para a próxima terça-feira 30 de novembro. A senadora Zenaide Maia, do PROS do Rio Grande do Norte, critica a proposta aprovada pelos deputados e defende a ampliação do debate sobre o tema no Senado. “Estamos nos debruçando para não permitir um calote e, ao mesmo tempo, contemplar o Auxílio Brasil, estender o prazo do benefício até dezembro de 2023 ou torná-lo permanente na Constituição”, defende.

O desejo de Zenaide de tornar o benefício permanente é consenso no Senado e foi incorporado no relatório, ao contrário do que estava na proposta do governo, a prever o pagamento de 400 reais somente até dezembro de 2022, deixando explícito o caráter eleitoreiro do Auxílio Brasil. O problema é que parte dos 106 bilhões de reais que deverão ser gerados pela PEC tem previsão para custear o Auxílio Brasil de 400 reais apenas no ano que vem. De 2023 em diante, não existe rubrica que garanta esse valor, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal. O parecer dispensa a obrigatoriedade do governo de apresentar a fonte de receita para garantir os 400 reais, na contramão do que determina a atual regra fiscal.

Bezerra Coelho afirma, porém, que os recursos oriundos da PEC podem ser utilizados para tal finalidade, embora não descarte a possibilidade de que outras medidas sejam apresentadas com esse objetivo. “O espaço fiscal pode perdurar para anos seguintes. Em tese, está assegurado. Se implicar a necessidade de ter uma fonte específica para isso, volta-se ao debate”, defende, acrescentando que a PEC, por ter caráter constitucional, se sobrepõe à Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma das medidas que o governo trabalha para suprir essa despesa é a reforma do Imposto de Renda, em tramitação no Congresso Nacional.

Uma das alternativas é autorizar o pagamento das dívidas judicializadas da União por fora da regra do teto de gastos

Associada ao drible que a PEC dos Precatórios tenta dar à LRF, outra mudança apresentada pelo relator altera o teto dos gastos. Hoje, o limite é determinado pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, mas, com a PEC, a base de cálculo será dos 12 meses até dezembro do ano anterior. As mudanças incomodam agentes do mercado financeiro, que se queixam do ambiente de insegurança para os investidores. Além disso, existe uma grande desconfiança em relação ao calote de débitos da União.

“A PEC 23 afeta a nossa credibilidade. Investidores internacionais receberam mal a notícia de que se tenta mudar a Constituição para dar calote em dívidas com estados, professores e aposentados, reconhecidas pelo STF. Questionam qual a segurança de investir aqui”, dispara Jaques Wagner, senador pelo PT baiano, que já anunciou que vai votar contra a PEC. “É importante notar que somos contra o formato atual do teto de gastos, uma regra grosseira feita para reduzir a despesa social. Entendemos como necessária a existência de balizas na despesa, até para assegurar a sua qualidade, mas o que o governo está fazendo é barbeiragem, querendo mexer nos precatórios, que são oriundos de decisão judicial, para garantir apoio da base e também financiar um programa eleitoreiro”, acrescenta Jean Paul Prates, líder da minoria no Senado.

Autor de uma emenda substitutiva que foi acatada por Bezerra Coelho, o senador Alessandro Vieira, do Cidadania, também critica o caráter eleitoreiro da PEC. “Não é aceitável que se utilize a fome dos brasileiros para atender a interesses econômicos pontuais e políticos de momento. O Brasil não pode abrir mão de ser reconhecido no mercado como pagador correto. O que o governo federal pretende fazer é colocar na Constituição o direito de ser um mau pagador”, discursou em plenário. A emenda de Vieira foi aglutinada a outras dos senadores José Aníbal, do ­PSDB, e ­Oriovisto Guimarães, do Podemos.

Por conta da reação e da pecha de calote, o relatório de Bezerra Coelho prevê o pagamento dos precatórios em 2022, que chega a 89 bilhões. A proposta apontada na emenda aglutinativa é retirar essa dívida jurídica do teto dos gastos, sob a justificativa de que, por se tratar de uma decisão da Justiça, os valores não foram gerados pelo Executivo. Outra medida é direcionar os recursos proveniente da PEC ao Auxílio Brasil e a outras despesas sociais vinculadas ao salário mínimo, como previdenciárias e Benefício de Proteção Continuada. “Sou favorável à PEC, sobretudo pelo diálogo e entendimentos mantidos pelo líder do governo com segmentos da oposição”, afirma Elmano Férrer, senador pelo PP do Piauí.

“A PEC se mostra importante por dois motivos. Primeiro, porque abre espaço no teto de gastos para o novo programa de renda básica. Segundo, por possibilitar o pagamento de precatórios tanto de aposentados e pensionistas como de estados e municípios que têm a receber pelo antigo Fundef. Isso nos parecem aspectos positivos que devem orientar os votos pela aprovação da matéria”, opina o senador Coronel Ângelo, do PSD baiano. Os senadores maranhenses ­Weverton Rocha, do PDT, e Eliziane Gama, do ­Cidadania, vão aguardar as respectivas lideranças partidárias para definir o apoio ou não à PEC. Eles pretendem seguir a orientação de suas bancadas.

O senador sergipano Rogério Carvalho, do PT, é o autor de uma nova PEC que prevê a criação de um programa permanente na Constituição de distribuição de renda. “A tendência é buscar outra alternativa e encontrar um termo que sane os problemas presentes na PEC aprovada na Câmara”, defendeu. Outras mudanças feitas pelo relator foram a criação de uma auditoria para acompanhar a gestão dos precatórios e transformar os débitos do ­Fundef em abono salarial, algo prejudicial aos professores, uma vez que abono não é incorporado ao salário e é descartado para cálculo de aposentadoria. •

CRÉDITOS DA PÁGINA: PEDRO FRANÇA/AG. SENADO

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1185 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE NOVEMBRO DE 2021.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo