Diversidade
A inclusão de mulheres, negros e LGBTs nas empresas ainda não saiu do discurso, mostra pesquisa
A pandemia acentuou as discussões sobre a diversidade, mas o caminho ainda é longo


A pesquisa recente “Diversidade de Gênero e Raça nas Lideranças Organizacionais”, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, a Associação Brasileira de Recursos Humanos e o Sistema B Brasil, mostra que o tema está longe de ser uma realidade nas empresas. “Há um forte interesse em se falar do assunto, mas, quando se analisa o que realmente se está fazendo, principalmente em relação às lideranças e o conselho, o quadro não é tão animador quanto as intenções”, afirma Luiz da Costa Dalla Martha, gerente de Pesquisa e Conteúdo do IBGC.
Os números mostram que 80% das 86 organizações participantes, de diferentes tipos, consideram importante a pauta de diversidade e inclusão e adotaram proibição à discriminação (em 88% dos casos), promoção à diversidade (em 72%) e inclusão de grupos minoritários ou sub-representados (em quase 45%). Mas somente 42% das empresas possuem indicadores de diversidade e inclusão, cerca da metade não tem metas para ampliar a participação de mulheres na diretoria ou no conselho, e em relação à participação de negros o porcentual chega a 77%.
Aproximadamente, 70% das participantes disseram ter programas para a formação de lideranças, porém, mais da metade (55,6%) não adota nenhum critério de diversidade para a escolha dos profissionais que vão fazer parte deles. Na opinião do executivo, as lideranças sabem que suas organizações precisam refletir a diversidade do País, diante da “cobrança maior” da sociedade, principalmente por meio das mídias sociais. E também porque traz resultados tanto do ponto de vista financeiro quanto de engajamento dos colaboradores. “A discussão sobre o tema ainda é recente no ambiente empresarial e as companhias estão tentando entender e se adaptando. Estamos em período de transição”, justifica Dalla Martha.
“Estamos em período de transição”, diz Luiz Dalla Martha, do IBGC
“Os investidores e os clientes estão atentos às estratégias e práticas de sustentabilidade das companhias, e isso se reflete na maneira como elas são percebidas. Sinal de que estamos no caminho certo são as posições alcançadas pelo Magalu em rankings de valorização de marca”, atesta Ana Luiza Herzog, gerente de reputação e sustentabilidade do Magazine Luiza, uma das maiores redes varejistas do País, com mais de 40 mil funcionários.
Segundo a executiva, além de Luiza Trajano, presidente do Conselho Administrativo, um ícone representando muitas bandeiras do Magalu, o CEO do grupo, Frederico Trajano, também é uma liderança forte no campo da diversidade e inclusão, estando à frente de algumas ações que ampliam o combate à violência doméstica, além de ser o responsável pela idealização das duas edições do programa de trainee exclusivo para negros. “Todo o time segue a mesma cartilha, do CEO, em uma ponta, ao colaborador que entrega as encomendas, na linha de frente com o cliente.
Procuramos colocar todas as equipes em contato com essas práticas, esclarecer sobre sua importância e, dessa forma, fazer com que elas se tornem parte do dia a dia do Magalu.” A capacitação dos funcionários é um ponto importante das ações da empresa para que “galguem degraus no mercado de trabalho”. O Magalu criou um projeto de capacitação de mulheres para uma carreira em tecnologia que formou 300 alunas durante as três edições realizadas e, em novembro deste ano, lançou o Desenvolve 40+, projeto que oferece cem bolsas de formação em tecnologia para profissionais com 40 anos ou mais, sendo 50% das bolsas destinadas a autodeclarados negros ou pardos – também abertas ao público interno da empresa.
Incentivo. Mendes e Mezzomo trabalham para ampliar os espaços
Head da área de Diversidade, Equidade e Inclusão da Thoughtwork, consultoria global de software, Grazielle Mendes destaca a urgência de ampliar o espaço nas empresas dos grupos de mulheres e negros, entre outros, pois a ausência começa a ser percebida em tecnologias criadas, como sistemas que não reconhecem rostos de negros e processos de inteligência artificial que não aprovam mulheres em processo de recrutamento. De 2017 para 2020, a consultoria aumentou o número de colaboradores negros no Brasil de 13% para 38%. Em posição de liderança, o objetivo é passar de 25% para 29% até o próximo ano. Atualmente, são mais de mil funcionários e funcionárias no País (acima de 10 mil no mundo), sendo 45% de mulheres (1% é de mulheres trans). Nas posições de liderança, elas são 44% (em 2016 eram 32%).
De acordo com Grazielle Mendes, a pandemia levou a Thoughtworks a acelerar investimentos, inclusive em programas de capacitação, especialmente para negros, que estão na base da pirâmide social do País, e são os mais afetados pelo desemprego – acentuado pelas dificuldades de acesso à educação. Não é a única. O Nubank acaba de anunciar a criação de um hub de tecnologia em parceria com as EdTechs Cubos e Allura na capital baiana, o NuLab Salvador, para o desenvolvimento de projetos de impacto social por meio de capacitação de jovens em situação de vulnerabilidade social e marcadores de diversidade e inclusão. “Queremos desenvolver talentos locais e acelerar o acesso ao conhecimento e impactar positivamente a comunidade ao redor”, afirma Mayra Mezzomo, responsável regional pelo NuLab Salvador.
Prestes fazer um IPO (oferta pública inicial de ações), o banco afirmou a CartaCapital, por e-mail, que “avançou nos esforços de combate ao racismo estrutural em iniciativas importantes de contratação interna, em desenvolvimento de pessoas internas e programas externos de desenvolvimento de pessoas externas com foco em tecnologia”. Dados de setembro de 2021 apontam que, entre os colaboradores no Brasil, 32% se autoidentificam como pretos e pardos, 44% como mulheres e 27% como parte da comunidade LGBTQIA+. Além disso, 61% dos funcionários em posições de liderança se autoidentificam como parte de grupos sub-representados. Externamente, o banco apoia iniciativas e desenvolve vários programas de capacitação em tecnologia e tem um fundo de investimento que direciona recursos a empreendedores negros e negras, entre outros projetos.
Do Magalu ao Nubank, as empresas têm mudado a cultura interna e abraçado as causas sociais
Esse avanço na agenda da diversidade decorre também de um aprendizado: a repercussão negativa nas redes sociais de um comentário considerado racista feito no ano passado por um de seus fundadores. Na ocasião, a instituição emitiu uma nota com pedido de desculpas, reconhecendo que a “diversidade étnico-racial é um desafio muito maior e mais complexo do que imaginávamos e vimos o quanto precisamos avançar dentro e fora de casa com uma agenda de reparação e de combate ao racismo estrutural”. Para Valéria Café, diretora de Vocalização e Influência do IBGC, a capacitação de todo o ecossistema é uma necessidade, pois o processo de inclusão é mais complexo: não se trata só de meritocracia ou de educação básica, mas de pensar que a forma como as pessoas são contratadas ou escalam dentro das empresas tem de ser diferente.
Influência. O Black Live Matters impulsionou os programas de inclusão racial, diz Valéria Café
Leonardo Rios, sócio da Knewin, empresa de monitoramento e análise da imprensa e redes sociais, observa que alguns acontecimentos ganham tanta repercussão nas redes que ampliam a discussão e provocam mudanças. O movimento Black Lives Matter foi avassalador, fomentando o debate de agenda mais efetiva de combate ao racismo estrutural no Brasil e no mundo. Também há casos de menor visibilidade, mas com impactos para as empresas, como o caso do jogador de vôlei Maurício Souza, que fez uma postagem de conteúdo homofóbico, publicada no mês passado na sua conta no Instagram. A repercussão do caso ganhou os meios de comunicação e, por pressão de patrocinadores, o Minas Tênis Clube acabou rompendo o contrato com o jogador. “A mídia online permite que as pessoas participem da notícia e uma das preocupações das empresas atualmente é justamente saber tudo que acontece relacionado ao seu negócio, em tempo real”, comenta Rios.
Valéria Café concorda que os programas de diversidade racial ganharam força com o Black Lives Matter. Todavia, aqueles de igualdade de gênero são mais antigos e reúnem mulheres de diferentes etnias, assim como os de combate à homofobia. No geral, diz, a pandemia acentuou as discussões sobre a diversidade e impulsionou a mobilização em relação às questões do meio ambiente e seus impactos na sociedade.
CRÉDITOS DA PÁGINA: NUBANK E ISTOCKPHOTO – IBCG
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1185 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE NOVEMBRO DE 2021.
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