Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
A ‘sofrência’ de Marília Mendonça valorizou o sertanejo
A morte trágica da cantora cria um vazio no gênero que com ela parecia retomar o seu começo nos anos 1970 e 80


A morte, nesta sexta-feira 5, da cantora Marília Mendonça, aos 26 anos, em um acidente trágico de avião, cria um vazio difícil de ser ocupado no sertanejo. O que ela cantava fazia lembrar a música romântica que tinha o nome de brega dos anos 1970 e 80 e depois desaguou no sertanejo com várias duplas, a começar por Chitãozinho e Xororó.
Naquela época, músicas sobre traições, amores perdidos e relações fracassadas ganharam os palcos na voz de Odair José, Waldick Soriano, Paulo Sérgio. As canções pareciam nascidas em mesa de bar entre um gole e outro. Letras e melodias simplórias conquistaram mentes de gente menos abastada pelo Brasil afora.
O sertanejo tomou forma, bebeu dessa fonte romântica, mas incorporou nos anos 2000 um pop mal ajambrado com letras repletas de clichês e construídas às pressas, substituindo o sentimento intenso e profundo pelo namorico regado a bebedeira.
Marília Mendonça, em meio à profusão de poucas ideias de composições, parecia um oásis nesse campo. Resgatou o romântico intenso e os pecados de se apaixonar. E era uma voz feminina, diferente do passado que deu origem ao sertanejo marcado apenas pela presença de homens.
Para um ambiente sertanejo altamente machista, cantar como ela fez, sobre infidelidades, por si só já lhe dava um status diferenciado no gênero. De voz grave, conseguia entoar um espírito ainda maior de “empoderamento” feminino, para usar um termo da moda.
Esse novo rumo que tentou dar ao sertanejo, com um pouco mais de densidade e de resgate ao que era feito no seu início, justifica o fato de ter sido uma das artistas mais ouvidas nas plataformas de música. Recebeu de braços abertos os ouvintes do sertanejo já enfastiados com tanta bebedeira sem nenhum sentido.
Marília Mendonça valorizou o desgastado sertanejo. Virou a Rainha da Sofrência porque os reis são dos anos 1970. A proximidade maior com o cotidiano da dor amorosa na sua música de maneira mais veemente, abundante e genuína lhe colocou em outro patamar num gênero que agora volta ao escombro.
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