Sociedade

Este ano não vai ser igual aquele que passou

Nos primeiros dias de 2013, Alberto Villas relembra 1972

Este ano não vai ser igual aquele que passou
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Esse tal de dois mil e treze definitivamente não começou como aquele mil novecentos e setenta e dois. Setenta e dois começou com a chegada de Caetano. De macacão jeans e carregando uma sacola de palha a tiracolo, Caetano vinha de um exílio londrino com uma juba de leão e pesando apenas 48 quilos. Era osso puro.

Aquele setenta e dois começou com o senador Milton Campos pedindo, lá na minha Belo Horizonte, um último cigarro. Fumou, tragou e morreu em seguida. Setenta e dois começou também com o Brasil revelando ao mundo um popstar do xadrez, Mequinho.

Setenta e dois começou com o Edifício Andraus ardendo em chamas, com a censura podando o filme Como era gostoso o meu francês, com Marlon Brando tornando-se um poderoso chefão no cinema e na vida real o poderoso chefão – Richard Nixon – fazendo um negócio da China ao visitar o Mao.

Em setenta e dois tomávamos cuba libre nas horas dançantes ao som de Johnny Rivers, pedíamos uma ligação pro Rio de Janeiro e esperávamos horas a resposta da telefonista enquanto Beto Guedes cantava “oh, telefonista, a palavra já morreu”.

Era um tempo em que lambíamos a cola do selo nas agências do correio ao despachar uma carta para um grande amor e anotávamos no canhoto do talão de cheque o saldo anterior, o valor do cheque e o saldo atual. Passávamos enceradeira na casa inteira para que ela ficasse brilhando, engraxávamos os sapatos com a graxa Nugget e não perdíamos um capítulo sequer da novela Selva de Pedra.

Amigos sumiam pra nunca mais. O jornal Opinião publicava espaços negros no meio das matérias para deixar claro que ali havia censura sim senhor. A revista Fairplay chegava às bancas com mulheres deslumbrantes mostrando apenas um seio. Um podia, dois não. Enquanto a ditadura lançava o slogan “Ame-o ou Deixe-o”, nós na calada da noite rodávamos em mimeógrafos capengas do DCE a palavra de ordem: “Médici ou mude-se”.

Outras crônicas de Alberto Villas:

Nesse início de dois mil e treze ando mergulhado no projeto de um novo livro e me perguntando todos os dias. Onde foi parar aquela cestinha com meia dúzia de filhotes de dálmata que ilustravam os calendários das farmácias e mercadinhos? Onde foi parar o disco de vinil de Johnny Rivers cantando Do you wanna dance? E aquela garrafa marrom de Crush, onde foi parar? Onde foi parar o amolador de facas que passava na Rua Rio Verde dia sim dia não, anunciando como um Pavarotti: Amoooooladorrrrr! Onde foi parar?

Onde foi parar o tintureiro que buscava a roupa suja na minha casa na segunda e trazia limpinha e passadinha na sexta? E o carroceiro que vinha de porta em porta comprar garrafas vazias? E onde foi parar a telefonista que completava a ligação para o meu amor? Oh, telefonista!

Hoje amanheci perguntando e já que estou perguntando, aqui vai a última pergunta: Onde foram parar aquelas minúsculas formiguinhas que invadiam o telefone sem fio que as pessoas traziam da América do Norte?

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