Cultura
Intervalo
“Por Que Francisco Cuoco Não Sorri?”; “Bethânia: Sou Mulher Até Demais”, “Altemar Dutra: Sou Gordo, Rico e Feliz”: as manchetes da revista ‘Intervalo’
De tempos em tempos um presente cai no meu colo. Semana passada foi uma caixa de papelão pardo de Montilla. Não, lá dentro não haviam garrafas de rum e sim duzentos exemplares da revista Intervalo dos anos 60. Um presente que, para mim, caiu do céu.
Não sei se todos já ouviram falar da Intervalo. Era uma revista semanal, pequenininha, papel quase jornal. Não era uma Caras, não era uma Quem. Era Intervalo, uma revista que falava das celebridades da época, centrada principalmente nos astros da televisão, então adolescente. Sim, era uma revista que dava também a programação semanal dos canais que iam do 2 ao 13. Nunca houve canal 1.
Vivia de fofocas e tititis, de verdades, mentiras, meias verdades, meias mentiras e vendia como água. Era irresistível a Intervalo. A caixa de papelão veio amarrada com um barbante grosso. Foi preciso uma tesoura afiada para cortar e abrir aquele tesouro. Aos poucos fui tirando os exemplares, um a um, como diriam os mais antigos, todos “em ótimo estado de conservação”.
Confesso que fiquei hipnotizado com o que encontrei ali dentro. Tão hipnotizado que passei uma tarde inteirinha mergulhado naquela montanha de revistas espalhadas pelo chão do meu escritório. Fiquei tão emocionado que cheguei a tirar uma foto e postar no Facebook. Precisava dividir minha alegria.
O primeiro comentário veio do Dagomir Marquezi que confirmou que aquilo ali espalhado pelo chão era mesmo uma preciosidade.
– Digitalize esse tesouro!
Foi assim que o Dagô, sei lá de que bairro de São Paulo reagiu com uma certa inveja, desconfio eu. O segundo a comentar foi Albino Castro que logo lembrou que em sua sala no SBT lá pelos anos 90, ele tinha uma pilha de Intervalo de dar água na boca em qualquer colecionador. Eu, por exemplo. Toda vez que entrava lá para discutir o espelho do Jornal do SBT costumava dar uma espiada naquela pilha que não tinha preço, eu sei.
A revista às vezes tratava Wanderley Cardoso como Vandeco, Ronnie Von era o príncipe, Wanderléa era a Ternurinha e Erasmo Carlos era o Tremendão. Roberto Carlos ora era Rei, ora era simplesmente Roberto. Eduardo Araújo era Eduardo, Jerry Adriani era Jerry, Agnaldo Rayol era Agnaldo, Cauby Peixoto era Cauby, Leno e Lilian eram Leno e Lilian, simples assim.
Separei aqui algumas manchetes de capa e gostaria de expor a todos antes mesmo dos números serem digitalizados como sonha o Dagô. Intervalo manchetava assim:
POR QUE FRANCISCO CUOCO NÃO SORRI
WANDERLÉA TEM AMOR SECRETO
ALTEMAR DUTRA: SOU GORDO, RICO E FELIZ
BETHÂNIA: SOU MULHER ATÉ DEMAIS
EDUARDO ESTÁ FICANDO LOUCO?
WANDERLEI AMA ROSEMEIRE
ROBERTO E NICE: A DOR DO CIÚME
OLHOS DE WANDERLEY ESCONDEM ESTRANHO SEGREDO
AGNALDO ESTÁ AMANDO ELIS
JAIR RODRIGUES ESTÁ RICO MAS AINDA NÃO PODE CASAR
RONNIE CORTA O CABELO A ZERO
BEATLES: PAPA PODERÁ OUVÍ-LOS NA IGREJA
MARTINHA: EU AMO ROBERTO CARLOS
IRIS BRUZZI ABANDONA O BIKINI
ELVIS QUER MULHER DE VERDADE PARA ESPOSA
ERASMO E WANDERLÉA: TREMENDÃO AMA TERNURINHA
REGINA DUARTE É O NOVO AMOR DE CUOCO
GAL COSTA BRIGA POR ROBERTO CARLOS
TED BOY MARINO ESTÁ COM MEDO
AMOR DE LILIAN USA RABO DE CAVALO
CAETANO VELOSO SEM ALEGRIA
O GUERRILHEIRO SIMONAL
A OUTRA FACE DE JERRY
ERASMO CARLOS DENUNCIA PANELINHA DA BOSSA NOVA
A Intervalo às vezes acertava, às vezes errava, às vezes deixava alguma coisa no ar. Acertava quando em agosto de 1964 estampou na capa
TELENOVELA VEIO PARA FICAR
Errava quando afirmava que Ted Boy Marino, o rei do telecatch, estava com medo. E deixava alguma coisa no ar quando dava na manchete:
CAUBY VAI CASAR
A revista dizia apenas que a noiva era muito elegante, loira, alta e tinha os olhos azuis mas não revelava o nome. Deixou a fofoca no ar.
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