Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Enquanto corria aquele vapor barato

‘O Vapor era um jornalzinho underground, alternativo, nanico, como chamávamos na época’

Enquanto corria aquele vapor barato
Enquanto corria aquele vapor barato
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Éramos todos sonhadores, cabeludos, bichos. Usávamos calças vermelhas, camisetas manchadas de água sanitária, tênis Bamba e casacos de generais. Vivíamos a felicidade de estar ali reunidos numa pessoa só, Rua Carangola, bairro de Santo Antônio, Belo Horizonte.

O oitavo andar da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais era nosso, desde cedo, quando chegávamos todos – ou quase todos – para as aulas de Jornalismo Comparado, Rádio e Televisão, Sociologia, Imprensa escrita.

Muitas histórias ficam pelo meio do caminho, acabam sendo esquecidas, invisíveis na poeira do tempo. Mas as redes sociais, de repente, nos lembram de pedras preciosas que deixamos pra trás. O Vapor, por exemplo.

O Vapor era um jornalzinho underground, alternativo, nanico, como chamávamos na época. As décadas passaram e me fizeram esquecer se havia uma redação física, máquinas de escrever, laudas, cafezinho, flertes, namoros.

O sonho de ter um jornalzinho próprio, independente, democrático e sem patrão estava na alma de cada um de nós. Havia o Flã, um A4 semanal que era rodado num velho mimeógrafo do Departamento de Jornalismo. Adorávamos aquela sala cheirando a álcool.

O Flã era distribuído de graça, ninguém ganhava um tostão para escrever sobre música, teatro, cinema, literatura, comportamento e o que desse na telha. Ninguém ganhava para entregar exemplares de mão e mão, ninguém ganhava um tostão para rodar aquela manivela do mimeógrafo.

Teve também o Mídia, rodado num mimeógrafo mais moderno, mas durou apenas um número. Nunca fizermos o dois, o três, o quatro, nosso sonho acabou ali naquela primeira e única edição.

Um dos baratos era O Vapor, pilotado pelo Aloísio Morais, combatente até hoje. Era para ele que eu entregava os originais das minhas crônicas e cartuns. Sim, cartuns. Meu sonho era ser cartunista.

Inspirado em Millôr Fernandes, em Jules Feiffer, em Saul Steinberg, em Jaguar, em Nilson, em Nani, em Marcos Benjamim, eu tentava rabiscar, tentava, mas nunca cheguei lá.

O que mais agradou ao Vapor foi um monstrengo que desenhei com uma espingarda na mão, na frente de uma porta, vigiando. Ele tinha apenas um olho, acredito que uma perna maior do que a outra, orelhas enormes e, ao fundo, uma plaquinha na porta: Proibida a entrada de pessoas estranhas.

Ouvíamos Jards Macalé cantando que era impossível levar o barco sem temporais, ouvíamos Gal cantando Antonico, Caetano cantando London London, Gil com Cérebro Eletrônico e Chico com Construção.

Líamos Éramos os Deuses Astronautas, a Rolling Stone brasileira e pirata, o jornal Opinião, líamos o tabloide Politika, o Jornal dos Sports, o Caderno B do JB, líamos Gabriel Garcia Marques, Juan Rulfo, Manuel Puig, Julio Cortázar, Eduardo Galeano, Ernesto Sábato, éramos todos latino-americanos.

Sonhávamos com a democracia, com os yankees go home, com a revolução cubana, com o Vietnã de Ho Chi Min, com a Praça Dan, em Amsterdã, nós que amávamos tanto a revolução.

Ouvíamos os solos de Jimi Hendrix, de Jefferson Airplane, a voz de Janis Joplin, curtíamos Crosby, Stills, Nash e Young. O barato era cantar juntamente com a voz rouca de Joe Cocker With a Little Help from my Friends.

Onde andam os meus amigos que fizeram aquele Vapor?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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