Mundo

Até Jesus renunciaria

O filósofo Gianni Vattimo entende que se demitir “é uma das melhores coisas que um papa pode fazer”

Até Jesus renunciaria
Até Jesus renunciaria
Apoie Siga-nos no

Professor da Universidade de Turim, onde ensina Filosofia Teórica e Hermenêutica, Gianni Vattimo foi eleito deputado europeu várias vezes e integra a legenda Italia dei Valori. Ávido leitor de Nietzsche e Gramsci, o filósofo diz que, diante dos fatos, até Jesus Cristo renunciaria e afirma sobre a renúncia de Ratzinger: “Nunca é tarde para um homem tomar uma atitude revolucionária”.

CartaCapital: O senhor considera a renúncia do papa um affair italiano. Por quê?


Gianni Vattimo: Várias questões com algum impacto na decisão da renúncia do papa são italianas. Os vazamentos de documentos papais, o caso conhecido como VatiLeaks, a envolver temas como a opacidade do IOR (Instituto para as Obras de Religião, o Banco do Vaticano) têm raízes em Roma. Ademais, o affair ocorreu na Itália.

CC: De que forma a política do Vaticano influenciou a atual crise italiana?


GV: A ingerência vaticana na política italiana corrompeu a atuação da Democracia Cristã (DC), legenda que chegou ao poder após a Segunda Guerra Mundial. Era então límpida, liderada por homens que haviam lutado contra o fascismo, também em nome de valores cristãos. E havia o Partido Comunista, fortíssimo. O PCI ficou fora do poder por motivos políticos, mas também devido a motivações religiosas, por ser um partido ateu. A Igreja Católica, força de direita, evitou a possibilidade da chegada ou permanência de agremiações de esquerda no poder. Para manter essa estrutura capitalista, o cristianismo contribui para corromper a política italiana. Antes você não podia ser cristão sem ser democrata-cristão, hoje não se pode ser progressista sem ser anticlerical. Na Itália, você só pode ser cristão se for anticristão.

CC: A abdicação de Bento XVI teria sido um ato revolucionário, se ele, como diz o senhor, “o fez de forma consciente”?


GV: Ratzinger disse que o fez de forma consciente. Um papa pode se demitir com sua consciência, mas, certamente, toma a decisão com base naquilo que se espera dele como titular de sua função. Em muitos sentidos, demitir-se é hoje uma das melhores coisas que um papa da Igreja Católica pode fazer. Se Jesus Cristo estivesse vivo, ele provavelmente se demitiria. É quase impossível transformar a Igreja Católica em algo que se aproxime do cristianismo. Veja, eu não esperava esse gesto de um papa com quem não simpatizava por causa de seu conservadorismo. Ele fez, porém, algo extraordinário.

CC: Um papa conservador, responsável, entre outros, pelo fim da Teologia da Libertação na América Latina, pode se tornar revolucionário?


GV: Uma das razões pelas quais eu não simpatizava com Ratzinger era justamente essa, mesmo se o verdadeiro destruidor da Teologia da Libertação tenha sido João Paulo II. Mas nunca é demasiado tarde para um homem tomar uma atitude revolucionária. Papas pensarão duas vezes antes de carregar a cruz até o fim de suas vidas.

CC: Os cardeais estrangeiros querem saber mais detalhes sobre o conteúdo do dossiê preparado para o papa. Haverá mais transparência por parte da Igreja?


GV: O conteúdo do dossiê reduz-se a dois fatos principais: sexo e dinheiro. Sem o Banco do Vaticano, o celibato eclesiástico e o tabu contra a homossexualidade, entre outros, a Igreja Católica seria pura e santa. Outro absurdo: a proibição do sacerdócio feminino em um momento em que há cada vez menos padres.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo