Economia

E como fica o conflito agrário?

Não se sabe onde estavam os manifestantes quando os movimentos sociais ligados ao campo lideravam as reivindicações sociais

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No momento, o povo brasileiro de classe média, não aquela estatisticamente recém-chegada aos alto-falantes do poder, mas a que frequenta folhas e telas cotidianas, sai às ruas para protestar contra ações governamentais ou temas com os quais não concorda.

“O País acordou!”, diz o embasbacado conservador de plantão, esfregando as mãos e dando uma piscadela para o comensal a seu lado, no restaurante de quatro crustáceos a 200 reais, certo de que mais uma vez seus sensíveis bolsos não serão incomodados.

Misturados a vândalos, baderneiros ou mais exaltados, como reza a terminologia usada para mascarar os colossais interesses econômicos a ela sobrepostos, os manifestantes procuram a adesão dos milhões de boias-frias que, há séculos, sonham com sua ração diária de bife à cavalo, batata frita e goiabada cascão com muito queijo (apud João Bosco e Aldir Blanc).

O mesmo pacto que desejávamos nós, hoje com sessenta ou setenta anos de idade, ao bradar: “o povo unido jamais será vencido”. Éramos a vanguarda à espera dos excluídos.

De duas uma: ou fomos derrotados ou o tal de povo nunca nos levou a sério. Provam-no os atuais protestos. Cartazes e palavras de ordem nos dizem que nada melhorou e, com exceção dos estádios para a Copa do Mundo, o resto está todo por fazer.

Que a meninada não desista de ir às ruas. Se nada conseguirem, sempre haverá a possível lembrança de que fizeram seu papel e aliviaram suas consciências. Filhos e netos exaltarão a bravura, e outras “vozes das ruas” virão e, como a de vocês hoje, serão coonestadas do alto dos prédios das Avenidas Paulistas brasileiras. Desde que ordeiras e pacíficas, é claro.

Mas o que está a querer com tal papo um colunista esperado tratar apenas da agropecuária?

Posto na última fila do atual ufanismo reivindicativo, político e moralizante quero perguntar onde estava a distinta plateia nas últimas décadas, quando no palco do Teatro Brasil foram encenadas milhares de manifestações dos movimentos sociais ligados ao campo?

Qual é? Esgotou-se o estoque do tônico revigorante da democracia ou dormíamos na plateia, tomados de enorme tédio? Como foram percebidos os anseios e necessidades de milhões de brasileiros que pedem um lugar nos aparelhos econômico e social brasileiros?

Tais movimentos foram simplesmente criminalizados. Revidados com balas muito mais rígidas do que as de borracha. Lerdos e corruptos instrumentos jurídicos serviram de escudo para executores.

Quer dizer que agora sim o povo brasileiro acordou para a democracia, falam e escrevem nove entre dez comunicadores? Mais um feito do “nunca antes neste país”?

Entre 2003 e 2012, segundo a Comissão Pastoral da Terra, ocorreram cerca de quinze mil conflitos por questões de terra, água ou trabalhistas; 85% nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, explicado pelos interesses financeiros em regiões em processo de consolidação.

Neles estiveram envolvidos perto de oito milhões de brasileiros. Destes, 350 acabaram assassinados.

Para representar as necessidades e os anseios de milhões de brasileiros que vivem no campo, foi criado em 1984, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra, ligada à igreja católica, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.

O MST e outros movimentos voltados para as mesmas causas sempre estiveram na berlinda da opinião e da vanguarda urbanoide, apesar de a pobreza e os assassinatos em conflitos no campo sempre terem feito concretos os motivos de suas manifestações.

Condenadas e estigmatizadas, no entanto.

Por estarem distantes dos centros de irradiação do poder e da visibilidade eleitoreira, que eternizam o acordo de elites que governa esta pobre nação.

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