

Opinião
Há uma direita que quer a civilização? Ou ela aceita Bolsonaro?
‘A direita esclarecida sabe, assim como o restante do País, o que o bolsonarismo representa’, escreve Marcos Coimbra


Por culpa de nossa elite econômica, política e administrativa, temos o pior presidente da história e um dos piores chefes de governo do mundo. Ela é responsável pela tragédia que vivemos e cúmplice de Bolsonaro. Falta ainda um ano e meio de seu desgoverno. Tempo demais. Cada dia que passa é um custo pesado, mensurável em vidas perdidas e vidas comprometidas pela pobreza, pela fome e pelas consequências da doença nos sobreviventes.
Essa elite olha a devastação e não vê. Como disse, outro dia, um dos próceres do “Centrão”, talvez comovido pelo dinheiro que Bolsonaro destina à compra de seu apoio: “É o político mais bem-intencionado que conheci desde que entrei na política”. Ou lamentamos o azar do cidadão, que o destino não permitiu que conhecesse uma única pessoa de bem, ou constatamos que lhe falta um pingo de vergonha na cara.
A elite não pode justificar a desinformação. Houve quem votasse no ex-capitão com esperança, acreditando que era uma possibilidade de mudança e temendo escolher alguém contra quem coisas assustadoras eram ditas. Gente do povo, intoxicada pelo que via na televisão, pelo sermão do bispo e confundida pelas mensagens que recebia no telefone, pensou assim. Não teve como conhecê-lo melhor, pois ele se escondeu dos concorrentes na reta final da eleição.
Mas os ricaços da economia, os chefes militares, a nata do Judiciário, os barões da imprensa e, especialmente, a liderança política sabiam quem era Bolsonaro. Dois anos e meio depois de colocar, por ações e omissões, o ex-capitão no poder, nossa elite se divide em dois grupos. De um lado, aqueles que gostam de ter um desclassificado como Bolsonaro no governo. Querem que ele fique até o fim do mandato e continue por outro, cuja contraparte na sociedade são os basbaques que batem continência para a Estátua da Liberdade do shopping center. Do outro, aqueles que têm consciência do que está acontecendo e do perigo que corremos.
Estes buscam uma candidatura de centro, conversa que circula há tempo nos ambientes da direita esclarecida, horrorizada com a incompetência e a brutalidade do capitão (que, por estranho que pareça, não enxergavam antes). Defendem ser necessário, para um projeto liberal (ou mesmo conservador), moderno, superar a excrescência bolsonarista e consertar seus erros.
Estão certos. Conhecemos o que significa ter um governo desse nível. Escolhas eleitorais não são gratuitas e seu preço pode ser elevado. A direita esclarecida sabe, assim como o restante do País, o que o bolsonarismo representa.
A pergunta é por que então não passam à ação? Se pensam, corretamente, que Bolsonaro não pode vencer em 2022 e que há diversos candidatos à direita que assumiriam sua agenda econômica e administrativa, por que não tomam a providência de tirar logo o ex-capitão do caminho? Não querem um governo liberal com gente competente e um presidente que não seja um cafajeste? O primeiro passo é remover o principal obstáculo ao que buscam, por meio de um processo de impeachment.
Bolsonaro é o problema para essa direita esclarecida, não a esquerda, com seus valores, lideranças e eleitorado. Lula não é o inimigo dos liberais, é apenas seu adversário político. Quem impede que se consolidem novas candidaturas à direita é Bolsonaro, com sua truculência, falta de escrúpulos e disposição ilimitada a jogar sujo. Enquanto permanecer à frente do governo, se utilizará de qualquer recurso para não permitir que uma alternativa a ele se afirme.
Se existe uma direita civilizada, que pensa o Brasil e nossa vida política no médio e no longo prazo, está mais que na hora de ela se engajar no esforço de tirar Bolsonaro do poder. Caso não o faça, não adianta inventar 5, 10 ou 15 candidatos para ver se algum desponta. Com seus 15% de base na sociedade, a chave do cofre e as trapaças de que é capaz, ele vai inviabilizá-los todos.
A dúvida é se há uma direita que quer mesmo a civilização, ou se, diante da perspectiva de uma vitória da esquerda, aceita a barbárie. Para tentar evitar a volta de Lula, que parece hoje quase irreversível, a direita brasileira, como um todo, pode ferir-se de morte. Atrelar-se a Bolsonaro, no longo prazo, é muito pior do que perder mantendo a respeitabilidade e investindo no futuro. Talvez seja um suicídio.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº1156 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE MAIO DE 2021.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.