Economia
A Semana do Mercado #3: as cartas não mentem (os números também não)
O editor de Finanças William Salasar apresenta as principais tendências da abertura dos mercados nesta segunda-feira 5


O “reiterado descaso” do governo com o Banco do Brasil e demais estatais de capital aberto foi o motivo invocado por Hélio Magalhães em carta aberta para demitir-se do cargo de presidente do Conselho de Administração da
instituição. Junto com ele saiu José Guimarães Monforte – que um mês antes deixara o Conselho da alegando “motivos pessoais”.
Agora, não teve pudores em sua carta de renúncia para denunciar a “restrição inaceitável a atos da administração” e retrocesso na governança das estatais. O primeiro trimestre do ano foi amargo para as principais estatais negociadas
na Bolsa: Petrobras, Banco do Brasil e Eletrobras. A interferência direta do presidente Jair Bolsonaro na governança das empresas em que a União é acionista majoritário causou uma perda de valor de mercado das três que, no
máximo, chegou a 175,94 bilhões de reais. Entre a cotação máxima e a mínima no trimestre, Petrobras perdeu 130,70 bilhões de reais em valor de mercado; Banco do Brasil perdeu 32,56 bilhões, e Eletrobras, 12, 66 bilhões de reais.
“A queda do valor de BB tornou a ação uma pechincha, com uma razão Preço/Lucro de 6,89, enquanto o PL do Itaú é de 14,09, do Bradesco é de 13,86 e do Santander é 10,39”, observa Victor Bueno, analista da consultoria de investimentos e start de educação financeira Top Gain.
“É bom para o investidor que não tem BB na carteira, mas é muito ruim para quem já tem o papel. É preciso considerar, ainda, que o investidor interessado numa empresa estatal avalia justamente o grau de independência das companhias em relação ao governo, a fim de ponderar se vale mais investir numa estatal ou numa empresa privada”, ressalta.
O recuo das estatais contribuiu para frear a alta firme que o Índice Bovespa vinha mostrando no último trimestre de 2020. Depois de chegar aos 125 mil pontos em janeiro, o Ibovespa recuou para a casa dos 115 mil. Acompanhou o
quadro recessivo da economia que se desenhou com o agravamento da pandemia nos dois últimos meses. Basta ver os números da produção industrial, para o mês de fevereiro, com recuo de 0,7% no mês com ajuste sazonal, enquanto o esperado era um crescimento de 0,5%. A indústria extrativa apresentou queda de 4,7% no mês, enquanto a de transformação ficou estável com -0,2%. Somou-se à tibieza da produção industrial, a queda de 7,8 pontos nos índices de confiança dos serviços, do comércio, da indústria, da construção e do consumidor levantados pela Fundação Getúlio Vargas.
O primeiro trimestre do ano foi amargo para as principais estatais negociadas na Bolsa: Petrobras, Banco do Brasil e Eletrobras.
Para completar, a aprovação (superatrasada) de um Orçamento considerado “inexequível” pelo Ministério da Economia acentuou exponencialmente as incertezas sobre a saúde das contas públicas, já grandes em função dos gastos demandados pelo agravamento da pandemia. O entendimento anunciado esta manhã pela nova ministra da Secretaria de Governo, deputada Flávia Arruda (PL-DF) no sentido de um redesenho do orçamento com manutenção do aumento das emendas parlamentares – que desfiguraram a peça apresentada pelo Executivo – parecia estar influindo nos mercados. O mais sensível deles, o dólar, abriu a semana em baixa, a 5,66 reais, depois de na semana passada, mais uma vez, fechar em alta, a 5,71 reais, e com isso acumulando elevação de 9,8% desde o início do ano. Economistas do mercado ouvidos pelo BC para o Relatório Focus subiram ligeiramente sua expectativa para o dólar no final do ano, de 5,33 reais para 5,35 reais, mas para 2022 baixaram de 5,26, para 5,25 reais.
O dólar aquecido tem sido um dos principais fatores de aceleração da inflação, entre outras razões pelo seu impacto nos preços do petróleo importado. Para os analistas dos bancos consultados pelo boletim semanal da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a maior pressão sobre o IPCA de março que o IBGE divulga na sexta-feira deve vir dos combustíveis, “pressionados pela elevação dos preços no mercado internacional e pelo câmbio desvalorizado. ” A expectativa é de alta de 1,03% no mês, perfazendo 6,20% no acumulado em 12 meses, bem acima do teto da meta estipulada para 2021 (5,25%). “No geral, a expectativa é de que o índice siga acelerando até o fim do 1º semestre, quando deve atingir alta acumulada em torno de 8,0% aa. ” Já o Relatório Focus do BC divulgado esta manhã, pela primeira vez em 12 semanas, manteve a projeção de inflação do mercado para este ano inalterada em 4,81%, elevando de 3,51% para 3,52% a projeção do IPCA para 2022.
Também vai atrair a atenção dos mercados a chamada “Infra Week”, semana da infraestrutura, em que o governo federal venderá em leilão 22 aeroportos, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), na Bahia, e cinco terminais
portuários. A expectativa é de arrecadar R$ 10 bilhões em investimentos privados com as concessões. A conferir.
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