

Opinião
Importa pensar com a própria cabeça, não com a dos oligopólios
Por aqui muito se fala nas benesses do estado mínimo. Entretanto, os defensores da tese nunca foram ao Haiti, onde ele é mínimo, de fato


“O verdadeiro amor não está nas palavras mas nas ações, e só o amor pode conferir-lhe a verdadeira sabedoria.”
Leon Tolstoi.
Tenho o costume de ler publicações mais antigas, que não tive a oportunidade de conhecer a seu tempo. Em geral, assim tenho a grata surpresa da sincronicidade, encontrando textos, reflexões ou afirmações de que necessitamos no momento atual.
Nesse sentido, relendo artigo de Rogério Tuma, em CartaCapital, de novembro de 2017, deparei-me com interessantíssimas reflexões, que guardam grande interesse para os dias atuais, de alastramento do genocídio no Brasil, de negação da ciência e dos direitos humanos mais básicos.
O referido artigo intitula-se “A revolução científica de Lutero” e demonstra como a reforma protestante criou condições para o avanço das ciências.
À luz daquelas proposições de Rogério Tuma, entendemos melhor o duplo ataque hodierno das forças necrófilas, tanto à campanha da fraternidade ecumênica quanto aos avanços da infectologia.
Tuma recorda que: “Em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero convocou os cristãos a debaterem suas 95 teses canônicas…dando início à Reforma com base num pensamento progressista em contraste com o conservadorismo exagerado da Igreja Católica. Coincidência ou não, o Iluminismo nasceu logo depois nos mesmos países onde o protestantismo primeiro ganhou espaço.”
Mutatis mutandis, as observações de Tuma sobre a Igreja Católica retrógrada de então – que precisava ser reformada – correspondem fielmente a determinadas igrejas neo-pentecostais da atualidade: “Eram tempos de uma Igreja autoritária, controladora, e os padres usavam a fé e a ignorância do povo como ingredientes para se tornarem ricos ou mais ricos. A dinastia papal dos Borgia havia transformado a Igreja Católica num balcão de negócios, em que se trocavam por moedas de ouro indultos para se chegar direto ao céu ou ficar menos tempo no Purgatório.”
No entanto, como bem concluira Lutero: “Deus não precisa de intermediários.”
Importa, de fato, pensar com a própria cabeça, não com aquela dos oligopólios financeiros, midiáticos ou religiosos.
Na verdade, por aqui muito se fala nas benesses do estado mínimo. Entretanto, os defensores daquela tese nunca foram ao Haiti, onde ele é mínimo, de fato. No país caribenho, não por acaso o mais pobre das Américas, poderiam verificar o acerto ou o erro da proposta neoliberal. Embora o general Heleno tenha morado naquele país, a força da realidade, no caso, não parece superar a crença, confirmando que não todos os seres humanos conseguem raciocinar com os próprios recursos, embora sejam deles dotados.
Sempre tirando proveito da leitura de CartaCapital, em artigo de Gilberto Bercovici e Rodrigo Salgado, de março do corrente ano, verificamos que na Meca do pensamento neoliberal, os Estados Unidos da América, modelo dos neoliberais locais, aprendemos: “Nos Estados Unidos, onde existem mais de 2 mil empresas estatais, nenhuma tem capital aberto.”
Sempre aproveitando a sincronicidade, na mesma edição, encontramos excelente artigo de Jason Burke sobre livro recém publicado a respeito do sequestro de mais de duzentas estudantes da escola de Chibok, no nordeste da Nigéria, em 2014.
Como em todos os grupos sociais, entre as jovens sequestradas surgiu uma líder, Naomi Adamu, que sintetiza verdade universal, tão aplicável ao Brasil nos dias que nos tocam viver: “A certa altura tínhamos visto tantos cadáveres que não tínhamos mais medo de morrer.” Mais de uma revolta ou revolução teve essa motivação extrema.
Como Adamu e graças à sua liderança, outras jovens recusaram-se aos casamentos, à gravidez e à conversão forçada, mesmo sob a ameaça de espancamentos e abusos sexuais, embora tenham sido condenadas ao trabalho escravo.
Que bela lição nos deram essas jovens africanas! Quanta dignidade! Quanto pensar próprio!
Ainda pedindo a leniência dos leitores, gostaria de fazer uma última citação daquela edição de Carta Capital, da coluna do ex-primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, que sintetiza nossa luta, à perfeição: “No Brasil de hoje, defender a liberdade como valor supremo da ordem constitucional é a única atitude verdadeiramente revolucionária.”
No dia 24 de março corrente, as Nações Unidas comemoraram o Dia Internacional do Direito à Verdade em Relação às Violações Graves dos Direitos Humanos e da Dignidade. A data remete ao assassinato do Arcebispo de São Salvador, D. Oscar Romero, durante a celebração da eucaristia, em 1980, na Capela do Hospital da Divina Providência, naquela Capital.
A recém-criada rede de observatórios dos direitos humanos da América Latina busca agregar o direito à justiça ao direito à verdade, como objetivo principal.
Conquanto estejamos no epicentro da pandemia mundial, com mais de 310 mil mortos no País, caberia abrir o debate sobre a possibilidade de que a Universidade Federal de Santa Catarina passasse a se chamar também Luiz Carlos Cancellier, o ex-reitor induzido ao suicídio por injustiças policiais e judiciárias, frutos da espúria operação Lava Jato, que tantos malefícios causou ao país: o pior deles a eleição ilegítima do presidente e da camarilha que conduz o País ao suicídio, literalmente.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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