Política
Índios protestam contra mudança na demarcação de terras
Grupos realizam manifestações, e ocupam sede do PT no Paraná, contra a proposta do Planalto que tira poderes da Funai para determinar quais áreas pertencem aos índios


O governo da presidenta Dilma Rousseff confirmou na segunda-feira 3 que deseja fazer uma mudança completa na forma como as terras indígenas são demarcadas no país e deu início ao que pode ser uma das principais crises de seu primeiro mandato. Também na segunda-feira, índios realizaram protestos em três Estados e chegaram a ocupar temporariamente a sede do PT em Curitiba, cidade da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffman.
Os grupos indígenas são contrários às mudanças desejadas pelo Planalto pois elas enfraquecem a Fundação Nacional do Índio (Funai). O governo quer regulamentar até o fim do ano uma lei segundo a qual as demarcações não serão realizadas apenas levando em conta os pareceres da Funai, mas também os de outras instituições governamentais, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), além de outros departamentos do Ministério da Justiça que não a Funai. A intenção do governo é, segundo a ministra Gleisi Hoffman, diminuir a judicialização da questão indígena. Atualmente, a demarcação de muitas áreas indígenas não está completa por conta de disputas judiciais que se arrastam há anos.
A reação dos índios veio em forma de protestos. Na manhã de segunda-feira, um grupo de cerca de 30 indígenas caingangues ocupou a sede do diretório estadual do PT em Curitiba e só deixou o local após receber a promessa de uma audiência com Gleisi. No Rio Grande do Sul, grupos indígenas bloquearam uma estrada federal e duas estaduais. Nos dois Estados da região sul o governo já começou a colocar em prática sua nova política de demarcação de terras. As demarcações estão suspensas no Paraná e no Rio Grande do Sul até que outros órgãos do governo avaliem os pareceres da Funai.
No Mato Grosso do Sul, cerca de 200 índios e trabalhadores rurais sem terra marcharam de Anhanduí, a cerca de 50 quilômetros da capital sul-mato-grossense, para Campo Grande. Em nota, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) informou que a marcha faz parte do movimento denominado Jornadas Unitárias de Luta em Mato Grosso do Sul, movimento que cobra a demarcação de terras indígenas e quilombolas e a reforma agrária. Também no Mato Grosso do Sul, mais cinco fazendas foram ocupadas na região do município de Sidrolândia, onde o índio terena Oziel Gabriel, de 36 anos, foi morto na semana passada, durante uma reintegração de posse realizada pelas polícias Federal e Militar.
Os protestos foram acompanhados de uma carta com duras críticas ao governo emitida pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). No documento, o Cimi diz que o governo Dilma usa pressupostos “racistas” para avaliar a questão indígena e acusa o Planalto de favorecer o agronegócio. Ainda de acordo com a entidade, há um “ataque sincronizado” do governo federal e do agronegócio aos índios, que estariam, com os protestos, reagindo a isso.
Em tons mais amenos, o secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, levou à Casa Civil os temores da entidade a respeito da questão indígena. “Nós esperamos, e eu manifestei isso à ministra, que a Funai não seja esvaziada”, disse. “Nós não podemos esquecer que o primeiro direito é deles (índios). A Constituição reconhece isso. Nós chegamos depois”, afirmou.
O governo, por sua vez, nega ter a intenção de esvaziar a Funai. “A Funai tem, claro, a sua palavra no laudo antropológico, não vai ser desconsiderada de maneira nenhuma”, disse Gleisi Hoffman. “Nós queremos apenas ter instrução de outros órgãos para que a gente possa basear as decisões, porque a decisão de demarcações não é uma decisão só da Funai. Ela sobe para o ministro da Justiça e para a presidenta da República. É importante que a gente tenha o procedimento claro”, argumentou Gleisi.
Segundo a ministra, a incorporação de outros pareceres deixará o processo de demarcação “transparente” e vai permitir que mais setores da sociedade se manifestem, principalmente em áreas de conflito fundiário, que já estão ocupadas por não índios. “O que nós queremos é que naquelas áreas em que já vivam outras pessoas, ou que sejam áreas de produção, principalmente de agricultura e pequena agricultura, que nós possamos ter uma manifestação dos órgãos que têm relação com essas áreas”.
Com informações da Agência Brasil
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