Política

Mais caro do mundo, Ministério Público está em guerra por grana

Dodge é acusada de casuísmo corporativo no orçamento de 2019. Briga inclui gasto com estagiários e risco para combate ao crime no DF e defesa de trabalhadores

Mais caro do mundo, Ministério Público está em guerra por grana
Mais caro do mundo, Ministério Público está em guerra por grana
Colegas dos demais Ministérios Públicos acusam Dodge de privilegiar o MPF, o dela
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O Ministério Público (MP) brasileiro é o mais caro do mundo. As repartições federais e estaduais custam por ano aos cofres públicos 0,3% do PIB, graças ao alto salário de procuradores, promotores e seus ajudantes. Na Itália, o gasto é de 0,09%. Em Portugal, de 0,06%. Na Alemanha, de 0,02%.

Apesar da fartura, às vezes o MP tem briga por grana. Neste momento, há uma batalha com Raquel  Dodge, procuradora-geral da República, na berlinda e alegados riscos à defesa de trabalhadores Brasil afora e ao combate à criminalidade em uma das regiões mais violentas do País.

Na condição de PGR, Raquel comanda o MP da União, dentro do qual há quatro subdivisões: o MP Federal (MPF), área de origem da “xerife”, o do Trabalho (MPT), o Militar (MPM) e o do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Cabe à PGR negociar com as subdivisões, preparar o orçamento coletivo e apresentá-lo ao governo, para constar da lei orçamentária federal.

As chefias das subdivisões do Trabalho, Militar e do Distrito Federal ficaram inconformadas com o rateio proposto por Raquel, constante do orçamento de 2019 enviado ao Congresso em 31 de agosto. Para o trio, a “xerife” adotou “critérios casuísticos” que privilegiam o MPF, o dela, e causam “danos sem precedentes” no caixa das demais subdivisões, cujo funcionamento estaria ameaçado.

Quando Raquel fechou o orçamento, a trinca acionou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), uma espécie de fiscal do MP, para forçá-la a rever o rateio do butim. Conseguiu uma decisão favorável do conselheiro Dermeval Farias Gomes Filho, em 29 de agosto, antevéspera do prazo para a lei orçamentária ir ao Congresso.

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Raquel recorreu no mesmo dia ao Supremo Tribunal Federal, com um mandado de segurança para anular a decisão. Luiz Fux, juiz do STF a quem o caso foi distribuído, deu a liminar requerida por ela. A batalha continuará, contudo, enquanto o Congresso não votar a lei. Ou até um julgamento final do mandado pelo Supremo.

No pedido levado ao CNMP contra Raquel, há números curiosos. As três subdivisões que se sentem prejudicadas informam que o MPF, o da “xerife”, ampliou suas despesas com luz, água, esgoto e telefone no ano passado, o primeiro de Raquel na PGR. “É indispensável registrar que, em 2017, o total gasto com estagiários pelo MPF atingiu o significativo montante de R$ 29.044.164,43”, dizem.

As três subdivisões afirmam ter feito o “dever de casa” e diminuído despesas cotidianas no ano passado, uma necessidade devido ao congelamento de despesas públicas por 20 anos aprovado em 2016 pelos parlamentares, o chamado “teto de gastos”, proposto pelo governo Michel Temer.

Adequar-se ao teto ficou mais complicado no MP após a decisão dos juízes do STF de aumentar em 16% seus próprios salários. Esse tipo de reajuste puxa aumentos de outras carreiras, como a dos procuradores. O orçamento elaborado por Raquel leva em conta reajuste igual, conforme comunicou às subdivisões do MP em 10 de agosto, dois dias após a decisão do STF.

O MPF, o da “xerife”, é a subdivisão com mais procuradores no MPU, quase metade da tropa (1,1 mil, de um total de 2,3 mil). É também quem tem mais ajudantes – 7 para cada procurador; nas demais subdivisões a média é de 4. Ou seja, o MPF precisa morder uma fatia maior do orçamento coletivo de 2019, a fim de pagar o salário de seus membros.

Uma tropa já bem aquinhoada, salário de entrada de 28 mil reais por mês, valor suficiente para incluir os procuradores no 1% mais rico do Brasil.

Caso a “discrepância” no orçamento coletivo do MPU não seja revertida, diz o documento contra Raquel no CNMP, haverá “real e concreta possibilidade de comprometimento da atuação” das três subdivisões reclamantes. Se for verdade, pior para trabalhadores em geral e para as vítimas da violência no Distrito Federal.

O MPDFT é responsável por investigar e denunciar crimes ocorridos em Brasília e arredores. Das 30 cidades brasileiras com mais assassinatos entre 2005 e 2015, duas estão no entorno da capital da República, Novo Gama e Luziânia, 20a e 21a posição em ranking elaborado no ano passado pelo Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Em janeiro de 2018, o governo dos Estados Unidos divulgou um alerta para que turistas e autoridades norte-americanos evitassem quatro cidades do Distrito Federal, devido à criminalidade. Ceilândia, Santa Maria, São Sebastião e Paranoá foram equiparadas a cidades europeias tidas como alvo potencial de terrorismo.

No caso da subdivisão trabalhista, o MPT, a asfixia financeira pode afetar trabalhadores justamente quando eles mais precisam de apoio, agora que a reforma trabalhista está em pleno vigor e o Supremo acaba de dar sinal verde à terceirização total de empregados.

A reforma impõe ao perdedor de uma causa trabalhista o custo de pagar os advogados do processo. Inibir ações de empregados é um objetivo da reforma. Uma forma de contornar isso pode ser a atuação do Ministério Público do Trabalho, com ações contra empresas que empregam muita gente.

Na terceirização, o MPT também pode inibir empresas interessadas em demitir funcionários CLT e readmiti-los na forma de pessoa jurídica, um tipo de contrato com menos direitos.

Não importa. Ao recorrer ao Supremo, Raquel Dodge contesta o direito do Conselho Nacional do Ministério Público, que ela mesmo comanda na qualidade de “xerife”, de obrigá-la a qualquer coisa. E salienta: como PGR, cabe a ela, e só ela, propor o orçamento coletivo do MPU.

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