Elisama Santos

Escritora, psicanalista e palestrante

Opinião

A maioria de nós segue agradecendo as palmadas que levou

A psicanalista Elisama Santos escreve sobre o BBB e a violência. ‘O tratamento dado ao Lucas é reprodução do que recebemos na infância’

A maioria de nós segue agradecendo as palmadas que levou
A maioria de nós segue agradecendo as palmadas que levou
(Reprodução/Rede Globo)
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Tenho vistos várias postagens sobre o BBB e o tratamento cruel que estão dando a um dos participantes, o Lucas. Nos vários textos que li, as pessoas falam: tortura psicológica é crime. Se está tipificado ou não no Código Penal, não me recordo, mas que é desumano mexer com a saúde emocional de alguém como forma de castigá-lo, isso é.

E eis que trago uma notícia triste, mas que pode surpreender a alguns: a tortura psicológica – e por vezes física – é a base da nossa educação. A base.

Não me venha falar que uma palmada não machuca. Meça o tamanho da sua mão, o seu tamanho e o tamanho de uma criança. Só o terror que o braço de alguém, mais de um metro maior que você, erguido em sua direção causa já é de estremecer o corpo e o coração.

Mas não ficamos apenas nisso. Ameaçamos abandoná-los. Nos acostumamos a dizer para uma criança que tudo que vem dela é errado e inadequado. Rimos dos seus pensamentos, menosprezamos as suas opiniões, quebramos a sua autoconfiança. Desumanizamos, porque o objetivo é a obediência e para conseguí-la vale tudo.

Somos violentos até quando queremos elogiar: “Finalmente você arrumou o quarto! Não aguentava mais ver aquela zona!”.

O tratamento que estão dando ao Lucas é uma reprodução do que recebemos na infância. É a aplicação nua e crua da punição tão normalizada em nossa sociedade. Não confiamos no diálogo, crescemos escutando que conversa nenhuma adianta conosco.

Quando luto por uma infância livre da violência, não é somente pelas crianças. É pelo amadurecimento das gerações que virão depois dela. É por um amadurecimento das gerações que a trouxeram ao mundo e que precisam aprender a lidar com a própria humanidade.

Não aprendemos a ter relações saudáveis. A bizarrice sempre foi a norma. Somos punitivistas e não há caminho florido quando buscamos punir em vez de solucionar os conflitos com respeito. A violência se mantém passada de geração a geração porque aprendemos que, no final das contas, ela é a única saída possível. A maioria de nós segue agradecendo as palmadas que levou e atribuindo a elas o próprio sucesso.

Não ao cuidado, não aos bons exemplos, não aos esforços de quem os educou. Sim às palmadas. Isso diz tanto sobre nós. Infelizmente.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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