Saúde
Vacina brasileira contra HIV entra em nova fase
Após testes em macacos, cientistas comprovam que vacina pode ajudar a manter baixos os níveis do vírus da aids e evitar transmissão para um parceiro
Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) estão animados. Testes realizados com uma vacina contra o vírus HIV mostraram resultados positivos acima do esperado quando aplicada em macacos resos.
Segundo os pesquisadores, a reação da vacina nos macacos foi entre cinco e dez vezes melhor do que a dos camundongos, os primeiros a serem testados e que já haviam demonstrado resultados animadores. “Como foi eficaz em primatas, provavelmente será eficaz em humanos”, afirma o pesquisador Edecio Cunha Neto, um dos responsáveis pelo projeto.
Esta é a primeira vacina totalmente concebida e desenvolvida no Brasil a ir tão longe. Inserida no organismo, ela atua diretamente nas células T CD4 – as mais importantes do sistema de defesa do corpo e mais afetadas pelo vírus HIV – aumentando a resposta imune celular. Os cientistas observaram que tanto os camundongos quanto os macacos responderam à vacina.
Os resultados brasileiros já repercutiram no mundo. A Avac (Global Advocacy for HIV Prevention), coalização global que acompanha o desenvolvimento de vacinas contra a aids, reconhece os avanços da pesquisa, e cita que, no momento, mais de 30 vacinas estão sendo testadas no globo. “Difícil dizer qual é a mais promissora. Não sabemos sequer se teremos, com certeza, uma vacina contra o HIV”, avalia Mitchell Warren, diretor da organização.
Maior resposta imune
O imunizante HIVBr18, produzido pela equipe da universidade, foi feito a partir de fragmentos de DNA do vírus causador da aids. Esses fragmentos foram reconhecidos como principais responsáveis por fazer com que o organismo de algumas pessoas – cerca de 35% da população – combata o vírus quando infectado pelo HIV. A ideia dos pesquisadores é que, isolados, eles estimulem as células T CD4 em todos os pacientes.
Sendo assim, a vacina desenvolvida pelos pesquisadores não impede que os indivíduos sejam infectados pelo HIV, mas sim melhora a resistência dos sistemas de defesa de pessoas soronegativas. “O objetivo é que, se essas pessoas vierem se contaminar com HIV, elas tenham uma infecção mais atenuada e não transmitam o vírus para outras”, explica Cunha Neto.
A expectativa é que a vacina ajude a reduzir drasticamente o número de novos casos de contaminação pelo HIV. Atualmente, seis mil novos casos de infecção são registrados no mundo diariamente.
O HIVBr18 traz um efeito semelhante ao dos remédios antirretrovirais, mantendo o nível do vírus no sangue em níveis muito baixos. “O ganho para cada pessoa é que ela vai ter um tempo de evolução para a aids muito mais longo”, afirma o pesquisador da USP.
Pesquisas continuam
Apesar dos resultados rápidos e animadores, ainda não se pode tirar conclusões definitivas sobre a vacina. Daqui a cinco meses, os cientistas da USP entram na nova fase da pesquisa. Em vez da vacina de DNA, eles deverão introduzir os fragmentos junto a um “vetor viral”, o que deve melhorar ainda mais a eficiência da resposta do sistema imunológico dos 18 macacos que a receberão.
Só então os experimentos entrariam na fase envolvendo seres humanos. A expectativa é de que os primeiros testes sejam realizados em dois a quatro anos. Caso os resultados continuem positivos, Cunha Neto aponta que seriam necessários então “testes de eficácia”, envolvendo um maior aporte de recursos e de voluntários. Ele calcula pelo menos 3 mil voluntários e 50 milhões de dólares. “Isso então dependerá de decisões políticas, e não científicas”, explica o cientista.
Caso se mostre eficaz, o HIVBr18 pode até mesmo vir a ser usado combinado com outros imunizantes. “Enquanto esta missão (buscar uma vacina contra a aids) continua sendo uma maratona, e não uma corrida de obstáculos, progressos notáveis estão acelerando a concepção de futuras novas vacinas”, afirma à DW Brasil Wayne Koff, chefe do Departamento Científico da Iniciativa Internacional Vacina contra a Aids (Iavi, sigla original).
“Estamos aprendendo mais sobre a estrutura do envelope de proteína do HIV e como ele se pode evitar que neutralize anticorpos, e sobre como novos vetores poderiam produzir melhores componentes de vacina”, acrescentou.
Pesquisas em todo o mundo
Para Mitchell Warren, só uma vacina preventiva, ou seja, aquela que impede a contaminação pelo vírus, seria capaz de frear a epidemia no mundo. “No momento, nós temos de controlar o vírus no corpo com as terapias antirretrovirais”, disse à DW Brasil.
Ainda assim, o acesso aos medicamentos ainda é baixo. Estima-se que das 34 milhões de pessoas infectadas, apenas 10 mil sejam tratadas com antirretrovirais. “Principalmente na África, onde há muitos casos, poucos têm condições de comprar o remédio. Nesse sentido, a vacina que mantém os níveis do vírus baixos, como a em teste no Brasil, seria uma grande adição”, disse Warren.
Segundo a Avac, a maior parte do dinheiro em pesquisa está concentrada na vacina preventiva. Em 2009, testes em larga escala realizados na Tailândia mostraram pela primeira vez ser possível evitar a contaminação.
Este foi o estudo que chegou mais longe até hoje. No entanto, a vacina não foi aprovada por ter apresentado um risco ainda muito baixo de proteção, de apenas 31%. Novas tentativas para avaliar melhorias desta vacina devem ocorrer na África do Sul em 2016.
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.