

Opinião
O neoliberalismo cego que não reconhece as novas tendências
‘Resultou um Posto Ipiranga que vende sacos de carvão para churrasco, mas não tem combustíveis’, escreve Rui Daher


Embora tenha sido gravada em 1960, por João Gilberto, no antológico álbum “O Amor, o Sorriso e A Flor”, a canção “Samba de uma nota só”, composta por Tom Jobim e Newton Mendonça, há cinco anos pauta a melodia da cadeia produtiva na economia brasileira.
Ela é emblemática quando avisa: “e quem quer todas as notas, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, fica sempre sem nenhuma, fica numa nota só”.
Como foi composta em si bemol maior, creio, a nota si ser o agronegócio de exportação e, em menor proeminência, das demais commodities.
Para um desenvolvimento mais robusto e consistente, bem que poderiam ter entrado as demais notas: ré da infraestrutura, longínqua, mas efetiva, em passado ditatorial; mi, de tripla repetição nos governos de Fernando Henrique Cardoso, pouco proveitosos; fá, do fazer diminuir desigualdades e crescer a diversidade; sol, que acompanha a natureza se preservada; lá, onde Judas perdeu as botas e ninguém aparece para visitar. Enfim, tudo que dá dó.
Nem sempre tudo foi assim. Houve ciclos e círculos em que, mais viçosa, a cadeia produtiva se ramificou e prosperou. Para saber, basta pesquisar.
Sobrou-nos, hoje em dia, um cego e ultrapassado modelo neoliberal que se sustenta em única nota, sem sequer reconhecer as novas tendências do planeta. Nisto mata, com pandemia ou não, a cadeia produtiva voltada ao mercado interno, força menos sujeita a intempéries várias.
Mas quem se importa? Talvez João Cavalo, reserva do Clube Atlético Linense, fundado em 1927, e que disputa a Série A3 do Campeonato Paulista.
De janeiro a novembro de 2020, exportamos perto de 770 milhões de dólares de frutas, crescimento de 3% sobre o mesmo período do ano anterior. O Valor Bruto da Produção (VBP) dos principais alimentos aqui produzidos, é previsto pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), ultrapassar um trilhão de reais. Ajudam a disparada das cotações dos grãos em Chicago, que disparam, e o câmbio.
Povo aí refestelado está ganhando, mas chora de barriga cheia, como canta Zeca Pagodinho, efeitos de YouTube, pouco considerados aqui, mas presentes em meu blog do GGN.
Tanto que agora, apoiadores do Regente Insano Primeiro (RIP), apesar de alguns reveses, os ruralistas centram foco em questões fundiárias. Sacaram, né?
No ano passado, segundo a Secretaria de Comércio Exterior, (Secex) os embarques ultrapassaram 100,8 bilhões de dólares, crescimento de 4% sobre o ano anterior e perto de 6% sobre o saldo da balança comercial.
Nada a ver, pois, com o governo originário de um golpe de Estado em 2016, uma sequência com o pífio Michel Temer, e um mito que evitou debater com o Cabo Daciolo (os ausentes Levy Fidelix e Eymael nem falar, tal o banho que o Capitão levaria).
Resultou um Posto Ipiranga que vende sacos de carvão para churrasco, mas não tem combustíveis.
Meu amigo Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, no primeiro mandato de Lula, infelizmente avesso a posições que ele pensa serem de esquerda, mas se generalizam entre os melhores pensadores ocidentais, afirma: “Precisamos ter atenção com clima, câmbio e China”.
Um remoto CCC, Comando de Caça aos Comunistas, impossível de ser concebido hoje em dia, a não ser por toscos bolsonaristas.
Parece óbvio do Roberto. Não é. O clima é uma variável incontrolável da agropecuária. Estamos, a cada dia, aprendendo como conhecê-la. No câmbio, estamos a mercê do pouco conhecimento da equipe econômica, a entender geopolítica.
A China? Ora, ora. Demitam o “chanceler” Ernesto Araújo, e pesquisem como Dani Rodrik, professor de Política Internacional, em Harvard, analisa a aproximação da Europa com a China.
Tem mais? Muito. Mas como ninguém se importa, e não me dão a mínima … Inté!
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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