Opinião

Se conhecesse história, Bolsonaro refletiria sobre os destinos de seus predecessores

‘Como resposta ao momento político e sanitário, a busca de alianças no campo democrático deverá ser intensificada’, escreve Milton Rondó

Se conhecesse história, Bolsonaro refletiria sobre os destinos de seus predecessores
Se conhecesse história, Bolsonaro refletiria sobre os destinos de seus predecessores
Foto: Sergio Lima / AFP Foto: Sergio Lima / AFP
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“Se queremos acabar com a pobreza, devemos dar poder aos pobres”.
Hugo Chavez.

O tema da democracia participativa é sempre mais atual. A posse dos novos vereadores e prefeitos recoloca-o na pauta: como os democratas podem fazer com que a população participe, cada vez mais, das Câmaras Municipais?

Não se trata de questão simples. Talvez se possa iniciar pela busca de formas modernas e rápidas para a transmissão das posições da bancada nas sessões. Essa é condição sine qua non para a população poder apoiar seus representantes.

O entendimento da gravidade do momento político e sanitário que vivemos também não pode ser menosprezado. Como resposta a ele, a busca de alianças no campo democrático deverá ser intensificada.

Ao comemorarmos o 123° aniversário de nascimento de Luís Carlos Prestes, convém recordar o gesto heróico daquele que, por mais de 40 anos, dirigiu o Partido Comunista Brasileiro: ao identificar que forças imperialistas e reacionárias buscavam golpear Getulio Vargas – para não permitir a criação da Petrobras e a industrialização do país – deu apoio a Vargas, que deportara sua mulher e filha para os campos de concentração nazistas.

De fato, colocou todo o peso daquele que era o partido que mais crescia no País, na década de 40 do século passado, para apoiar as forças nacionalistas e progressistas que se aglutinavam em torno ao caudilho.

Algo simbólico e que dá a medida da capacidade de percepção tática do PCB, então sob o risco crescente do fascismo mundial e nacional, é o próprio nome de uma das várias publicações com que o partido contava para se comunicar com a população: O Democrata.

No momento em que o desgoverno de direita promove um verdadeiro genocídio no Brasil, deixando de imunizar a população contra a Covid-19, o que em muito recorda o extermínio promovido pelos fascistas e nazistas na Europa nos anos 30 e 40 do século passado, convém ter presente aquelas lições de democracia e capacidade tática do velho PCB, até mesmo porque a extrema-direita, ou o mal extremo, são estéreis, não podendo criar, inovar. Disso decorre o ódio que devotam à história, apta a desmascarar facilmente seus engodos, como a encenação de banho de mar de Bolsonaro na Praia Grande, no último fim de semana, cópia fiel da mesma peça de propaganda protagonizada por Mussolini. Por outro lado, trouxe-nos a esperança de que o fim da tragicomédia brasileira seja semelhante à italiana.

Na verdade, o grau de corrupção – recebeu na semana passada o prêmio” internacional de governo mais corrupto do mundo em 2020, outorgado por observadores internacionais – e de insensatez do atual desgoverno brasileiro recordam aquele de um outro ditador igualmente sanguinário: Anastácio Somoza.

No meu segundo ano de trabalho no Itamaraty, em 1985, tocou-me presidir a Comissão Interministerial para a Organização Marítima Internacional das Nações Unidas (OMI). Representando a Marinha, um excelente Capitão-de-Mar-e-Guerra, com o qual fizemos parceria que permitiu mudar a posição brasileira naquele organismo, no sentido de que a moratória sobre o depósito de dejetos radioativos de baixa intensidade no fundo do mar não fosse levantada, pois não havia estudos conclusivos sobre a periculosidade de tais práticas.

Vencemos e, por indicação dele, recebi a medalha “Amigo da Marinha”, cerimônia seguida de almoço no Estado-Maior da Armada.

Durante a refeição, informei que deixaria o cargo, pois estava removido para a Embaixada do Brasil em Managua.

Meu parceiro da Marinha confidenciou-me, então, que estivera no navio brasileiro que levara ajuda à Nicarágua, após o terremoto de 1972, o qual destruira a capital, matando e ferindo milhares de pessoas.

Como sabiam que o ditador Somoza estava-se locupletando da ajuda internacional, ficaram com o navio ao largo, planejando atracar no dia seguinte cedo, quando os jeeps sairiam e distribuiriam diretamente os bens à população flagelada.

À noite, receberam a visita do próprio ditador, que os informou: ou lhe entregariam a ajuda ou sequer atracariam.

Sem opção, entregaram-na, para vê-la, posteriormente, sendo vendida, inclusive as bolsas térmicas para o armazenamento de plasma, as quais eram muito valorizadas, para conservar frio o uísque do ditador sanguinário – literalmente – e de seus comparsas.

Não estamos longe desse quadro: mais de 50 países já vacinam suas populações. Na América Latina, Argentina, Chile, Costa Rica e México iniciaram a imunização. Aqui, o general ministro da Saúde, teoricamente especializado em logística, sequer consegue adquirir as seringas.

Estranhamente, soubemos pelo The Intercept que o desgovernante local tivera encontro com representantes de um dos laboratórios fabricantes da vacina, na Embaixada do Reino Unido, tempos atrás. Na semana passada, essa vacina pediu à Anvisa registro emergencial…Agora, vai?

Se Bolsonaro conhecesse história, refletiria sobre os destinos de seus predecessores, Mussolini e Somoza. Ambos não são alvissareiros.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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