Sociedade

Preferencial

Vantagens e desvantagens de ser uma pessoa com mais de sessenta anos

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Foi só eu completar 60 anos, naquela festa que teve bolo, velinhas e tudo mais, que fiquei animado com a possibilidade de chegar no banco, por exemplo, ver aquela fila enorme e poder entrar na do lado, com apenas dois ou três velhinhos como eu. Achei o máximo.

Achei o máximo também poder estacionar o carro no shopping naquelas vagas com o chão pintado de azul e escrito em branco: idoso. Eu estacionar não, porque nunca dirigi um automóvel, mas a minha mulher ou minhas filhas estacionarem comigo de copiloto, ali ao lado.

E pagar meia no cinema, no teatro e nos museus? Pensei com os meus botões: Pagando esse preço, vou ao cinema todos os dias! Mas as coisas não aconteceram bem assim e isso já fazem quase quatro anos.

Parar em vaga para idoso minha mulher não para de jeito nenhum. Só quando eu tiver com os cabelos brancos, a vista cansada ou carregando uma bengala. Ela não se conforma em ser casada com um idoso e argumenta que aqueles lugares pintados de azul no chão são reservados pra velhinhos e não para mim que, não sei como, ainda consigo subir escadas de dois em dois degraus.

Mas confesso que, longe dela, uso e abuso da fila preferencial. Hoje mesmo fui ao correio colocar a revista Serafina pra uma amiga de Belo Horizonte que não tem a Serafina encartada na Folha, e a fila estava enorme. Na preferencial, duas pessoas, comigo três. Foi rapidinho, num instante já estava em casa.

Mas como tenho frequentado muito a fila preferencial, cheguei a uma conclusão: como falam os velhinhos! Nos últimos tempos, com uma cadernetinha na mão, fui anotando os papos, que vão de coisas banais do dia a dia, até quase intimidades.

Hoje no correio, foi só eu entrar na fila preferencial que a senhora que estava na minha frente já foi logo reclamando:

– Esse correio da Lapa é um inferno! E eu nem comecei o meu almoço.

Sei que se puxasse papo, daqui a pouco saberia que hoje o almoço dela seria uma salada de alface, arroz, feijão preto, abobrinha refogada e um bife acebolado. Como não dei bola, a conversa parou ali.

Mas nas filas da vida, só nesses últimos dias eu ouvi:

– A minha mais velha trabalha na Caixa junto com o meu genro. Ela disse que lá é a mesma coisa.

– Saindo daqui ainda tenho de ir no sacolão porque minha geladeira só tem água.

– Hoje eu acordei cedo e já fiz exame de sangue e de urina.

– O meu gato só quer comer daquelas Wiskas molhadinhas.

– Se você visse como o meu cachorro é luxento…

– Eu só vou tirando de pouquinho em pouquinho porque sei que se tirar muito, vou gastar.

– Não teve jeito. Ele fez fisioterapia, voltou a andar, melhorou um pouco mas acabou morrendo.

– Toda vez que venho aqui, o sistema está parado.

– Já falei pro meu neto. O dinheiro que ele já gastou com essas figurinhas, dava pra ir assistir a um jogo do Brasil.

– Eu estou desconfiado que a fila normal anda mais rápido que a nossa.

– Não sei se sou eu, mas a fila de lá vai bem mais rapidinho mesmo.

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