Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Este ano não vai ter a retrospectiva

‘Se 1968 foi um ano que não terminou, 2020 será um ano que não existiu’, escreve Alberto Villas

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Quando vai chegando o final do ano, segunda quinzena de dezembro por aí, uma montanha de tradições cai sobre nossas cabeças. É o panetone espalhado pelos supermercados, o amigo secreto da família, a festa da firma, o peru de Natal, as compras de última hora, a lista de presentes.

Tem mais coisas. As luzinhas coreanas nas janelas dos prédios, a correria para fechar o balanço do ano, aquela matéria na TV aconselhando a usar bem o décimo terceiro, metade paga as dívidas, a outra metade vai pra poupança. Tem a árvore do Bradesco, o caminhão da Coca-Cola, o chester da Sadia.

O que não costuma faltar é a caixinha de Natal na portaria do prédio, o cartãozinho do entregador de jornal desejando Feliz Ano Novo e a tal da retrospectiva.

Este ano, me desculpe, não vai ter retrospectiva. Dois mil e vinte não merece aquele texto caprichado e emocionado, que começa falando dos acontecimentos de janeiro e vai até dezembro. A saudade de quem morreu, os progressos da ciência, a fúria da natureza, os desastres aéreos.

Este ano, não vou preencher esse espaço com alegrias, tristezas, agonia, aflição, ansiedade. Vou saltar dois mil e vinte, numa boa. Falar o quê? Dos tamanduás e tuiuiús mortos pelo fogo do pantanal? Das onças com as patas queimadas? Das milhares de árvoves tombadas na Amazônia? Dos pretos mortos pela polícia? Eu não.

O vírus matou quase 200 mil pessoas por aqui e infectou mais de sete milhões. Enquanto isso, o presidente da República zombava do corona e os porcos no chiqueirinho do Alvorada gritavam mito, mito, mito! Gritavam imprensa comunista, vai pra Venezuela e Globolixo.

Sentar aqui para falar do escândalo da rachadinha, de Abraham Weintraub, de Fabricio Queiroz, de Flordelis, do número 04? Falar dessas pessoas nefastas que só trouxeram aborrecimento no ano que está acabando? Tô fora!

Se 1968 foi um ano que não terminou, 2020 será um ano que não existiu.

Fazer uma retrospectiva pra falar do afastamento de Wilson Witzel, da cloroquina, das buscas e apreensões diárias feitas pela Policia Federal? Pra quê?

Na televisão, ouço que hoje é um novo dia de um novo tempo que começou. Nesses novos dias, as alegrias serão de todos, é só querer.

E que todos os nossos sonhos serão verdade e que o futuro já começou.

Não acredito mais.

Hoje só quero lembrar do adeus que demos ao compositor de O bêbado e a equilibrista, o autor daqueles versos que dizem assim: Caia a tarde feito um viaduto, e o bêbado trajando luto, me lembrou Carlitos.

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