Sociedade

Em São Paulo, programa para moradores de rua enfrenta obstáculos

O Pronatec/PopRua, criado para profissionalizar moradores de rua, esbarra na empregabilidade, e prefeitura tenta sensibilizar empresários

Em São Paulo, programa para moradores de rua enfrenta obstáculos
Em São Paulo, programa para moradores de rua enfrenta obstáculos
Heliano Ferreira foi um dos participantes do programa
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Há um ano e dois meses, o endereço de Cristovan João Rafael, de 30 anos, é o Centro de Acolhida João Paulo II, no bairro do Bom Retiro, centro de São Paulo. Ex-dependente químico, Rafael foi um dos participantes do Pronatec/Pop Rua, programa municipal que tem como objetivo oferecer cursos profissionalizantes a moradores de rua com vistas à inserção no mercado de trabalho. Após concluir em setembro o curso de panificação, Rafael fez algumas entrevistas, mas não conseguiu emprego na área.

“Esperava que tivesse uma comunicação maior com as empresas. De oferecer o curso em uma área que tivesse uma demanda maior, alguma coisa encaminhada. Mas eu não desisti. Vou tentar outro curso”, disse. Enquanto conversava com a reportagem de CartaCapital, o pernambucano, morador em São Paulo há 13 anos, tinha em mãos os formulários de matrícula para o curso de eletricista. “É importante ter uma profissão. Eu também tenho experiência com obra, então, trabalharia com prazer como eletricista. Pelo que eu andei vendo, tem mais demanda.”

A parceria entre a prefeitura e o Senai para viabilizar o programa foi anunciada pelo prefeito Fernando Haddad (PT) em março de 2013. O objetivo é lidar com os mais de 14 mil moradores de rua da capital paulista, um número 79% superior ao registrado no ano 2000. O aluno matriculado no curso recebe alimentação, vale-transporte e uma bolsa-presença de dois reais por hora-aula. A ideia é deixar para trás gestões marcadas pelas chamadas obras “antimendigos”, como rampas para impedir a permanência dos moradores de rua ou bancos com divisórias de ferro.

Apesar da inovação trazida com o programa, os números mostram que há entraves na etapa da empregabilidade. Após nove meses da implementação, foram 388 matriculados, dos quais 74 deixaram as aulas e 115 obtiveram seus certificados. Destes, 43 foram contratados em empregos formais.

A meta anunciada no início do ano passado previa a abertura de 4 mil vagas até 2016 no programa para cursos como auxiliar administrativo, eletricista, almoxarife, soldador, entre outros. De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, em outubro, esta meta passou por uma revisão e estaria fechada em 2 mil vagas até o final do mandato de Haddad.

Heliano Ferreira, 27 anos, foi um dos formados pelo Senai que conseguiu empregar-se. Após concluir o curso de eletricista e de enfrentar um processo seletivo de mais de dois meses, foi contratado como leiturista na Eletropaulo. Nascido em Guiné-Bissau e imigrante em Cabo Verde, Heliano chegou a São Paulo em setembro de 2012 na esperança de “crescer na vida, como vocês falam”.

Enquanto morava no Centro de Acolhida Arsenal da Esperança, o técnico em informática fez bicos na construção civil, até que surgiu a oportunidade de fazer o curso do Senai dentro do próprio albergue. Hoje, divide uma casa alugada em Francisco Morato com seu colega. “É um prazer vestir o uniforme da Eletropaulo. Você sai na rua, e as pessoas te olham, te dão valor”, disse.

Denésio Carvalho, gerente de treinamento operacional da Eletropaulo, afirmou que algumas regras foram flexibilizadas para que os alunos do Pronatec Pop/Rua pudessem ser integrados à empresa, como a questão da residência para a abertura de conta bancária, a formação acadêmica mínima – aceitando o certificado do Senai como prova de aptidão para as tarefas –  e a idade máxima para o cargo de leiturista, de 35 anos de idade.

Empregabilidade Para a história de Heliano não se tornar uma exceção, a prefeitura tenta reforçar o programa. Em julho, Haddad se reuniu com representantes de 16 empresas, a maioria empreiteiras que prestam serviços para a prefeitura, tentando promover uma sensibilização dos setores para que houvesse diminuição da burocracia das contratações e oferta de vagas para os alunos formados pelo programa. Nenhum acordo formal foi estabelecido, no entanto.

Anderson Lopes, ex-morador de rua e integrante do Movimento Nacional de População de Rua, aponta que a empregabilidade é uma das etapas mais importantes do programa, mas que somente encontrar uma vaga no mercado de trabalho não é suficiente. Segundo ele, os vínculos exigidos pelo mercado formal – como sociabilidade, pontualidade, relação de submissão, carga horária – são substituídos por outros vínculos, criados durante o tempo na rua. “Os vínculos que são construídos na rua, você não perde da noite para o dia com a empregabilidade. Eu mesmo pedi demissão do sindicato em oito meses quando saí da rua”, disse, ressaltando ser necessário um acompanhamento individual e próximo para evitar situações de evasão, tanto do curso quanto das empresas.

Larissa Beltramim, secretária adjunta da recém-criada Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, responsável pelo programa, afirmou que não foi discutida a criação de cotas para a população em situação de rua dentro das empresas, mas sim uma mobilização e sensibilização dos setores empresariais. “O que se deu como diretriz é uma mobilização dos empresários dos setores de serviços da prefeitura e de fora. E isso está em curso”, afirmou. “É muito menos uma questão formal e muito mais uma questão de mobilização. E não só daquilo que é responsabilidade do poder público, ou de fazer mobilização dos empresários, mas nosso desafio é como conseguir dar visibilidade à população de rua e fazer um debate na cidade.”

Outro aspecto levantado por Beltramim é a heterogeneidade da população em situação de rua e de suas demandas. Os motivos que levam uma pessoa a morar na rua, segundo a secretária, são os mais variados, desde problemas amorosos, familiares, dependência de álcool, drogas e despejo. “Não é o poder público que tem de definir o que vai ou não ser feito com as pessoas. O desafio é fazer uma política participativa. É um tema complexo em si, tem amplos debates. O desafio é oferecer oportunidades para elas saírem das ruas ou permanecerem em situação de dignidade”, disse. “Nem toda a pessoa nesta situação almeja uma moradia. A gente tem que garantir condições para que ela viva dignamente na cidade.”

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