Opinião

Preservação do acervo do Museu Florestal Octávio Vecchi em SP

Local acumulou um acervo precioso, que registra a história da preservação ambiental no Estado

Preservação do acervo do Museu Florestal Octávio Vecchi em SP
Preservação do acervo do Museu Florestal Octávio Vecchi em SP
Foto: Reprodução/wikipédia Foto: Reprodução/wikipédia
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Por Letícia Squeff, Janes Jorge e Manoela Rossinetti Rufinoni*

O Serviço Florestal do Estado de São Paulo, criado em 1911, foi extinto nesse ano de 2020, quanto tinha o nome de Instituto Florestal de São Paulo, parte da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Governo do Estado. Suas atribuições serão absorvidas por outras instituições existentes ou que serão criadas. O surgimento e a atuação do antigo Serviço Florestal vinculam-se à grande expansão econômica e demográfica ocorrida tem terras paulistas a partir de fins do século XIX, quando as matas eram suprimidas para dar lugar aos cafezais, que iriam abastecer o mercado mundial com a bebida que se tornou símbolo da sociedade urbana e industrial nascente. O desmatamento também era ocasionado por outras culturas agrícolas e pela expansão urbana e demográfica. A madeira era a matéria prima fundamental para o cotidiano, em uma época anterior ao petróleo, o que estimulava sua extração em larga escala. Lenha era queimada em locomotivas e fornos de todo tipo, era energia. E madeira de qualidade era empregada na construção civil e mobiliário. E havia ainda outros usos.

O desmatamento prosseguiu ao longo de todo o século XX e, mesmo hoje, ameaça os remanescentes de matas que resistiram em São Paulo. No Serviço Florestal havia quem amasse verdadeiramente a natureza, e, ao longo do tempo, a instituição defendeu o uso racional dos recursos florestais e o reflorestamento. Para divulgar esse ideário de amor e utilitarismo em relação às árvores, o Serviço Florestal criou o Museu Florestal, atualmente chamado de Museu Florestal Octávio Vecchi, que fica localizado no Parque Estadual Alberto Löfgren, conhecido popularmente como Horto Florestal. Esse museu, inaugurado em 1931, guarda parte importante da história da preocupação ambiental no Estado de São Paulo, além de oferecer um rico acervo de objetos mobiliários e artísticos. Sua missão era divulgar o grande valor simbólico e material das árvores encontradas em São Paulo e encorajar os paulistas de nascimento ou adoção a defende-las. Desde então vem cumprindo sua missão, recebendo, inclusive, crianças, jovens e adultos em inúmeras atividades que promove regularmente.

O Museu Florestal acumulou, assim, um acervo precioso, que registra a história da preservação ambiental no Estado de São Paulo, como o engenho dos artistas que passaram por São Paulo. A começar por seu edifício, que, construído para ser museu, teve cada um de seus espaços pensados com uma finalidade específica, constituindo-se todo um acervo produzido especialmente para ele, a partir da ação articulada de artistas, artesãos, e cientistas especializados na flora nativa da região. Dentre as obras de arte que foram encomendadas e adquiridas especificamente para serem expostas no Museu Florestal, há criações de autores muito prestigiados, como as paisagens acadêmicas de Clodomiro Amazonas (1883-1953) e Campos Ayres (1881-1944); aquarelas de Alfredo Norfini e a pintura mural de Antonio Paim Vieira (1895-1988) com a representação estilizada de 42 árvores nativas nas quatro paredes do hall principal. A estrutura e o acervo do Museu Florestal Octávio Vecchi são semelhantes a outros museus de história natural no mundo, cujo modelo mais próximo, no Brasil, era o Museu Nacional do Rio de Janeiro, incendiado em 2018. Nesse sentido, o Museu Octávio Vecchi pode ser visto como um dos últimos remanescentes locais de museu de história natural no país.

O acervo do Museu Florestal conjuga ciência, arte e história, com coleções de madeiras que compõem a estrutura e os bens integrados à arquitetura do seu edifício sede (esquadrias, pórticos, assoalhos e forros), além de amostras de diversos suportes, como mobiliário, peças em marchetaria, esculturas, pranchas com entalhes botânicos com detalhamento de ilustrações científicas de espécies arbóreas e vitrais confeccionados pela Casa Conrado, cujos temas espelham áreas históricas de pesquisa da instituição (botânica, fauna e entomologia). Os entalhes botânicos feito na madeira da espécie representada são uma singularidade do acervo. A representação dos elementos das árvores, como folhas, flores e frutos, são tão precisos que podem ser considerados ilustrações científicas. Eles foram elaborados por funcionários públicos do Serviço Florestal com cargo de entalhador oficial e assistente: Antonio Oppido, contratado em 1937 e Antonio Alves, em 1939. Seria possível escrever páginas e páginas sobre a riqueza do acervo, mas, fiquemos por aqui, pois já é suficiente, esperamos, para que se tenha noção de seu valor.

Como o fim do Instituto Florestal e com os planos de conceder à iniciativa privada tanto o Horto Florestal como o Museu Florestal, a preocupação com o futuro desse acervo aumentou. Como já aconteceu em outros momentos históricos, grandes mudanças institucionais podem provocar a perda de acervo e, esse receio, nos levou a apresentar ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico o pedido de tombamento do acervo do museu e do seu acervo arquivístico e museológico. Independentemente dessa iniciativa, acreditamos que todos que, em São Paulo, se interessam pelo meio-ambiente e sua história e pelo desenvolvimento das ciências e das artes devem agir para garantir que as futuras gerações possam usufruir essa preciosidade.

*Profa Dra. Letícia Squeff (Departamento de História da Arte – EFLCH/Unifesp), Prof. Dr. Janes Jorge (Departamento de História – EFLCH/Unifesp), Profa. Dra. Manoela Rossinetti Rufinoni (Departamento de História da Arte – EFLCH/Unifesp)

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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