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Guerrilheiro marxista alarma a Grécia

Uma ameaça em vídeo de um membro do grupo terrorista desmantelado 17 de Novembro gera uma nova crise para um Estado enfraquecido

Christodoulos Xiros, em imagem feita a partir do vídeo em que ameaça retomar a luta armada na Grécia
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Por Helena Smith, em Atenas

De perto, Christodoulos Xiros não parece um homem ameaçador – de muitas maneiras, ele ainda lembra o artesão de fala suave que já foi. Mas neste fim de semana, três semanas depois de escapar do presídio de alta segurança de Korydallos, em Atenas, o homem de 56 anos e olhos castanhos, um membro chave do finado grupo terrorista 17 de Novembro, incutiu o medo no coração de muitos na Grécia assolada pela crise.

No espaço de cinco dias, as autoridades em pânico lançaram a maior caçada humana dos tempos modernos, ofereceram uma recompensa de 4 milhões de euros por ele – morto ou vivo – e criaram um cordão de segurança ao redor da capital que não se via desde a Olimpíada de 2004.

Na sexta-feira, enquanto ministros da Justiça se reuniam no país que atualmente detém a presidência rotativa da União Europeia, havia atiradores de elite nos telhados, cães farejadores nas ruas e mais de 2 mil policiais antimotins postados diante de escritórios do governo e de hotéis.

“Temo que em breve haverá um ataque”, disse a ex-ministra das Relações Exteriores Dora Bakoyannis, manifestando temores que espreitam a Grécia desde que Xiros não voltou a se apresentar às autoridades depois de visitar sua família durante uma licença da prisão de nove dias no início deste mês.

Foram 15 dias antes que o autointitulado “membro livre da 17 de Novembro” ressurgisse, com uma mensagem de vídeo prometendo um retorno à ação armada. “Está na hora da batalha”, disse Xiros contra um fundo de imagens mostrando combatentes da resistência e um herói comunista da Segunda Guerra Mundial. “Decidi empunhar a arma da guerrilha contra aqueles que roubaram nossas vidas e venderam nossos sonhos em nome do lucro.”

O acontecimento foi um enorme embaraço, mesmo para um governo que já lida com uma sociedade em ponto de ebulição e uma economia ainda assolada pela recessão e a dívida quase quatro anos depois de receber a primeira ajuda.

Bakoyannis – cujo primeiro marido, um deputado conservador, foi morto pela organização 17 de Novembro em 1989 – estava convencida, juntamente com a maioria das autoridades gregas, de que a praga do terrorismo tinha sido erradicada com a dissolução do bando guerrilheiro em 2002.

Xiros, que servia seis condenações perpétuas por uma série de atentados mortíferos e bombardeios, estava entre os 15 membros condenados da 17 de Novembro cuja prisão deveria ter encerrado as atividades de uma organização que, muito antes do surgimento da Al-Qaeda, estava no topo da lista das mais procuradas pelos Estados Unidos.

Em um período de 27 anos, o grupo marxista-leninista aparentemente incontrolável matou 23 pessoas, incluindo o chefe de estação da CIA Richard Welch, sua primeira vítima, e o adido de defesa britânico brigadeiro Stephen Saunders, assassinado quando dirigia para o trabalho em junho de 2000.

Na comoção que se seguiu à fuga de Xiros, Alexandros Giotopoulos, o acadêmico nascido na França que é considerado o fundador do bando, e Dimitris Koufondinas, seu principal pistoleiro, declararam em cartas escritas da prisão que a “17 de Novembro está morta”. Mas enquanto as autoridades de segurança concordam – apontando que a tolerância dos gregos por sua cruzada contra a cultura capitalista e seu cru antiamericanismo há muito tempo evaporaram – há muitos temores de que a sociedade grega assolada pela austeridade e o frágil clima político constituam um terreno fértil para o ressurgimento da violência política.

A irritação em Washington aumentou a pressão sobre o primeiro-ministro Antonis Samaras e seu frágil governo para que capturem Xiros. O Departamento de Estado dos EUA ainda considera a 17 de Novembro uma organização terrorista.

Diplomatas ocidentais temem que Xiros tente forjar um papel de liderança entre uma nova geração de guerrilheiros ligados a um submundo criminoso que é considerado bem armado e que não se importa com quem é morto. Durante seu período de 11 anos na prisão, ele teria confraternizado com membros do grupo militante Conspiração das Células de Fogo, conhecido pelas cartas-bombas que enviou para escritórios de líderes europeus, incluindo o da chanceler alemã, Angela Merkel, no início da crise grega.

Em sua mensagem de vídeo, Xiros emitiu um grito de convocação para anarquistas e esquerdistas se unirem contra a “escória” que levou a Grécia à beira da ruína. “O que é perigoso nele é que tem um senso de justiça hiperagudo e um senso de responsabilidade patológico”, disse o ex-diplomata americano Brady Kiesling, que estuda a violência de extrema-esquerda na Grécia para um livro ainda inédito. “E é isso que faz um terrorista.”

Depois de seu desaparecimento, houve muita especulação de que Xiros, filho de um padre ortodoxo fundamentalista, havia decidido fugir porque tinha se apaixonado por uma mulher que conheceu em uma licença anterior da prisão. Mas enquanto a polícia vasculhava casas em Atenas, detendo figuras da esquerda anti-establishment, também houve muitos rumores de que um ataque terrorista era iminente.

“Apesar de não sabermos as circunstâncias em que foi feita, para grande parte da comunidade revolucionária ele se desgraçou ao assinar uma confissão à polícia de que pertencia à 17 de Novembro”, disse Kiesling. “Eu acho que agora está desesperadamente tentando se colocar em uma posição nobre para um punhado de pessoas que são importantes para ele.”

A capacidade de Xiros de iludir as autoridades inevitavelmente também chamou a atenção para um aparelho de Estado grego praticamente arruinado. Unidades antiterroristas como a Polícia Judiciária, a polícia, oficiais de prisões e políticos ficaram com a moral aniquilada pela atual crise do país.

Ele é o segundo terrorista condenado a passar ao subterrâneo: Nikos Maziotis – líder de outro grupo guerrilheiro desmantelado, a Luta Revolucionária – escapou em uma licença temporária semelhante da prisão no ano passado. Maziotis estaria por trás de um atentado a tiros contra a residência oficial do embaixador alemão em Atenas em dezembro. O ministro da Justiça grego anunciou na sexta-feira que as autoridades vão reexaminar os direitos de libertação daqueles que estão condenados por ofensas de terrorismo. “Eles jamais deveriam ter recebido essas licenças”, disse o ministro.

Até agora os prisioneiros, incluindo a maioria dos integrantes da 17 de Novembro, receberam liberdade provisória depois de cumprir oito anos de suas sentenças. Xiros, para decepção das autoridades de Washington, conseguiu várias dessas licenças desde 2011.
“No ano passado ele foi o convidado de honra no batizado do filho do homem que hoje aluga seu local de trabalho”, disse ao Observer Ilias Leriadis, vice-prefeito da ilha de Ikaria, terra ancestral da família de Xiros. “Esta é uma ilha tradicionalmente de esquerda, e apesar de não apoiarmos seu apelo às armas e os partidos de esquerda terem sido fortemente contrários ele tem muito apoio entre amigos e parentes aqui.”

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