Política
A safra política foi plantada
Soa estranho os ruralistas se arriscarem à diminuição no subsídio às taxas de juros dos financiamentos num eventual governo Aécio Neves
A safra política foi plantada, em cinco de outubro, com pequena capacidade transformadora. Ainda há cargos de governador para definição em segundo turno, e a Presidência da República, que confronta dois projetos econômicos explícitos.
Um pôde ser conhecido nos 12 anos de governo petista, plasmado em coalizões perigosas, porém inevitáveis. Por mais recente, é de fácil lembrança. Tem apelo eleitoral junto às classes sociais menos favorecidas.
O outro é contado em folhas e telas cotidianas por textos e locuções de miríades de economistas ortodoxos, neoconservadores, ou o diabo que os carregue. Lembrá-lo seria prudente. Tem apelo junto aos empresários e contamina quem teme perder anéis ou exclusividade em aeroportos.
Entre os dois não faço rogo. Apesar de reconhecer erros pontuais na atual condução econômica do país, escolho a continuidade. Acredito possível corrigi-los e não sair do caminho do desenvolvimento com inserção social.
Mais fácil eu acreditar no fato de 40 milhões de pessoas terem deixado a linha de pobreza, pois é o que veem meus olhos viageiros, do que nos factoides aí publicados. Se verdadeiros os escândalos, como seculares têm sido, cabe à Polícia Federal investigar corruptos e corruptores.
Reincido, pois, em mais de meio século de pensamento político que não iguale, mas pelo menos aproxime o bem-estar dos estratos sociais desfavorecidos daqueles que se beneficiam de uma economia com foco concentrador e rentista.
Se assim está sendo plantada a safra política, a de grãos corre solta em várias regiões do Brasil. Expansão de área e uso de tecnologia demonstram coragem frente à tendência de queda nas cotações internacionais, provocada pela safra norte-americana e a previsão de estoques mundiais de passagem mais altos.
Somente uma catástrofe climática no hemisfério sul poderia mudar esse quadro, mas seria pior. Cairia a nossa produção, os preços poderiam se manter ou até subir, mas quem correria para o abraço seriam os EUA que já colheram e muito.
Não é uma situação confortável para o agricultor brasileiro. Planta depois de ter feito crescer o consumo de fertilizantes em 5%, para quase 32,5 milhões de toneladas, fato que se repete com sementes e agrotóxicos, comprados a preços multinacionais e concentrados. O complexo de carnes tem perspectiva melhor. Rações mais baratas.
Se as cotações caírem muito, é bem provável que o Tesouro volte a ser chamado. O atual governo tem oferecido, ano após ano, Planos de Safra benevolentes.
Estranho, pois, os ruralistas se arriscarem à diminuição no subsídio às taxas de juros dos financiamentos, saco de maldades implícito na alma neoliberal e seguidamente defendida, em entrevistas, por Armínio Fraga, ministro da Fazenda, em eventual governo de Aécio Neves. A última, em 09/10, para o jornal Valor Econômico.
Talvez nem acreditem. A expressiva bancada ruralista imagina que se a corda tiver que apertar será no pescoço dos programas de inserção social.
A despreocupação do agronegócio com tal opção aparenta mais a glória de ganhar relevância política do que a necessidade de se resguardar em crises futuras.
Dirigente setorial de uma dessas associações do dolce far niente, diz-se despreocupado com mudanças no crédito rural. Para ele, a queda nas cotações dos grãos seria compensada com a valorização do dólar.
Será? Numa eventual volta da política econômica neoliberal não é mais provável a bolsa subir e o dólar cair?
Vamos, no entanto, animar a festa e supor movimentos concomitantes. Até porque é necessário viabilizar os setores industriais câmbio adictos.
Esquece-se o porta-voz que os principais insumos agrícolas têm o dólar como referência? Que seus custos anulariam eventuais vantagens nos preços de exportação?
Mais de 75% dos fertilizantes químicos e minerais são importados. O mesmo acontece com sementes e agrotóxicos, até os aqui produzidos, pois refletem a política de precificação de suas matrizes no exterior, que têm mercado cativo e pouco competem.
Fora isso, todos sabem da brutal concentração na produção mundial e local das últimas décadas. Diante da perspectiva de queda nos preços e descapitalização dos agricultores, vários complexos industriais exportadores de insumos já se defendem, anunciando fusões e fechamento de plantas para controlarem a oferta e manterem suas margens.
Associações como essas nunca opinaram ou agiram conforme os interesses da agropecuária, mas sim de acordo com a indústria de insumos, que é quem as banca e paga seus executivos. Daí suas opiniões políticas serem um nada, que campesinos, caboclos e sertanejos espertos não deveriam seguir.
Na próxima volto ao assunto, ligando-o à agricultura familiar. Se eu não mudar de ideia, é claro.
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