Política

“Os eleitores gaúchos não votaram na RBS, votaram na Ana Amélia”

A CartaCapital, a ex-apresentadora e candidata do PP ao governo do Estado nega “debate ideológico” no Rio Grande do Sul e critica Tarso Genro (PT)

“Os eleitores gaúchos não votaram na RBS, votaram na Ana Amélia”
“Os eleitores gaúchos não votaram na RBS, votaram na Ana Amélia”
Ana Amélia nega "debate ideológico" no Estado
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De Porto Alegre

Em 2010, a Ana Amélia Lemos deixou a bancada do Jornal do Almoço, da RBS, para ser candidata ao Senado. Eleita ao cargo, a ex-jornalista tenta chegar ao governo do Estado quatro anos depois. A disputa com o governador Tarso Genro, candidato à reeleição, é apertada. Na última pesquisa Ibope, a senadora tem 36% dos votos contra 35% do petista, em um empate técnico.

Em entrevista a CartaCapital, Ana Amélia nega que seja favorecida pelo seu antigo empregador, a retransmissora gaúcha da Rede Globo. Na entrevista, a candidata criticou o desempenho do seu adversário e diz que o rótulo de conservador do seu partido, o PP, é injusto.

Nesta semana, CartaCapital publicará entrevistas com Tarso Genro (quarta-feira), e com os dois candidatos mais bem colocados na disputa ao Senado Federal, Olívio Dutra (quinta-feira) e Lasier Martins (sexta-feira).

Leia abaixo trechos da conversa com a candidata:

CartaCapital: Que avaliação a senhora faz do governo de Tarso Genro nos últimos quatro anos?

Ana Amélia: Acho melhor perguntar aos gaúchos que vivem a fragilidade da segurança pública e da saúde. E da educação, que não teve o cumprimento das palavras que o governador fez. Como ministro da Educação, ele fez a lei [do piso salarial dos professores]. Como candidato em 2010, prometeu que pagaria o piso. E como governador, não honrou, não pagou. Já na infraestrutura, por falta de planejamento, o governo resolveu romper os contratos com concessionários [das estradas], revendo prazos, tendo uma empresa para cobrar pedágios sem dar a contrapartida do pagamento ao usuário.

CC: O PT, incluindo o ex-governador Tarso Genro, diz que dois modelos de desenvolvimento distintos estariam em jogo no Rio Grande do Sul. Eles dizem que o modelo oposto ao deles defenderia o enxugamento da máquina e remetem ao governador Antônio Britto, responsável pelas privatizações do Estado na década de 90. A senhora concorda que existam esses modelos distintos?

AA: Em primeiro lugar, a eleição de 2014 é a eleição de 2014. O candidato é o Tarso Genro e a candidata é a Ana Amélia. Nós não estamos discutindo o passado, eu olho daqui para a frente. É isso que está em jogo. Depois da queda do muro de Berlim, querer estabelecer um debate ideológico é uma forçação de barra que está fora do século XXI. Século que é dividido não entre esquerda e direita, mas entre rápidos e lentos.

CC: Então a senhora acha que não é uma questão de dois modelos de desenvolvimento, mas só de gestão.

AA: Não só de gestão, mas da compreensão de um Estado que precisa estar a serviço do cidadão e da sociedade, e não de um partido como está hoje. Há seis mil cargos de confiança no Estado. E tudo com apadrinhamento e loteamento partidário. Não é esse governo que um cidadão que paga impostos quer, ele quer um estado a serviço da sociedade, não de um partido político.

CC: O Rio Grande do Sul é o Estado que tem proporcionalmente a maior dívida do país, de mais de 50 bilhões de reais. A presidenta Dilma prometeu a renegociação dela para novembro deste ano. A senhora é crítica à renegociação…

AA: Eu sempre fui favorável ao projeto que altera o indexador da dívida. A minha única indagação é: eu tenho razões para acreditar que vai ser votado? Nenhuma. Novembro? Por que novembro? Só por que é depois das eleições? Você tem que duvidar. Assim como não foi votado e não foi cumprido o acordo para votar em fevereiro. Qual é a segurança que eu tenho para acreditar que vai ser votado? A renegociação vai abrir as portas para que o Rio Grande do Sul tome mais empréstimos. O governo atual está tocando desenvolvimento na base do cheque especial. E assim não se faz desenvolvimento em nenhum lugar do mundo, nem na casa da gente.

CC: Algo que chama atenção na eleição do Rio Grande do Sul é que os dois candidatos na frente das pesquisas são ex-apresentadores da Globo…

AA: Não, não. É da RBS, é uma afiliada. São empresas independentes, ela tem apenas a programação da Globo.

CC: Certo. Nesse sentido, ao que a senhora atribuiu isto, que não é uma novidade no Rio Grande do Sul. O ex-governador Britto era apresentador…

AA: Alvaro Pereira, em Minas, também foi [deputado federal e prefeito]. Hélio Costa também foi [senador e ministro do governo Lula]. E isso está em todos [Estados]. Tem o Tiririca em São Paulo, você tem uma grande gama de artistas. Os partidos políticos, quando fazem a sua busca, buscam candidatos com visibilidade. Não é um problema de estar ou não [na RBS]. Eu trabalhei numa empresa, recebi o meu salário. Eu não era dona e não era sócia. Eu não tinha o interesse com o sistema, tinha interesse em fazer um jornalismo adequado, tanto que recebi quase três milhões de votos disputando com dois grandes candidatos. Os eleitores gaúchos avaliaram bem o meu mandato, eu não fui lá para fazer número. Fui lá para dizer que dá para trabalhar na política com gestão, transparência. Estabelecemos metas no meu gabinete e assim remuneramos os funcionários, que se sentem estimulados.

Meu partido é tido como um partido conversador, de interior, reacionário. Aqui em 2012, o partido apoiou o [José] Fortunati [do PDT, atual prefeito de Porto Alegre]. E eu fui apoiar a Manuela d’Ávila. Uma deputada jovem, bonita e bem articulada. Do PC do B. Muitos não entenderam, mas era a inflexão que eu precisava fazer. Por eu fazer parte de um partido conservador não significava que minha cabeça era conservadora. A minha cabeça era diferente, eu posso fazer entendimentos com as pessoas.

CC: Mas a senhora se identifica com o PP? A senhora mesmo disse que ele é conservador…

AA: Não, não. Esse é o preconceito com que uma parte dos gaúchos vê o PP. Eu queria mostrar às pessoas que o nosso partido não é isso, que ele tinha capacidade de trabalhar com as pessoas com diálogo para construir uma convergência.

CC: Mas a visão do seu partido ser conversador e reacionário não vem do fato dele ser herdeiro da Arena, partido que sustentou a ditadura?

AA: Mas todos de algum pedaço vieram desse negócio. Na época da revolução, eu estava interna em um colégio lá em Lagoa Vermelha [cidade no interior do Estado]. Estava cuidando dos meus estudos, não tinha ideia do que acontecia no País. E isso não significa que era alienação, eu estava realmente tentando sobreviver.

CC: Retomando a questão anterior, o governador Tarso Genro diz que a Globo tem a força de colocar a pauta dela e se portar, desta forma, como um partido.

AA: Eu não vou comentar uma grande bobagem dessas. Eu me nego. Aliás, se você pegar os jornais da RBS e ver quantas vezes eu apareci positivamente ou alguma vez apareci melhor do que ele, eu lhe pago um sorvete. Mil vezes ele aparece, trezentas, quatrocentas mil vezes. Então ele é sócio da RBS se é esse o critério, de tantas vezes que ele aparece. Os eleitores gaúchos não votaram na RBS, votaram na Ana Amélia. O Tarso sabe disso, mas ele não quer aceitar. É uma empresa que pagou meus salários sempre, sempre em dia. Pagou o que me devia, me indenizou quando eu sai depois de 33 anos. Uma grande empresa, mas eu não tenho nada a ver com a RBS. Não adianta o governador fazer todo esse jogo de cena, porque não consegue colar. Até porque a RBS tem a liderança de audiência aqui.

CC: Não é justamente por essa liderança que os dois candidatos que estão a frente, a senhora e o Lasier, vieram da emissora?

AA: Não quero falar do outro candidato, não tem nada a ver, tem outro jeito de ser. Essas questões é o eleitor que vai julgar. Não é o Tarso. É isso.

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