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Governo vai usar Força Nacional em assentamentos do MST na Bahia

Decisão ocorre após ataques ao assentamento Jacy Rocha, que resultou em oito feridos e casas incendiadas

Governo vai usar Força Nacional em assentamentos do MST na Bahia
Governo vai usar Força Nacional em assentamentos do MST na Bahia
MST relata que assentamento foi "surpreendido" com presença de policiais em 27 e 28 de agosto. Foto: Coletivo de Comunicação do MST da Bahia
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O governo federal autorizou o uso da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) em assentamentos da reforma agrária nos municípios de Prado e de Mucuri, no sul do estado da Bahia.

A decisão foi publicada nesta quarta-feira 2, por autoria do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP) no Diário Oficial da União (DOU).

 

Segundo a publicação, a Força Nacional pode ser empregada “nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. A decisão tem validade por 30 dias, entre 3 de setembro e 2 de outubro, com possibilidade de prorrogação.

A Força Nacional é uma espécie de tropa de “pronta-resposta”, composta por policiais militares, policiais civis, bombeiros militares e profissionais de perícia, com funções de cumprir policiamento ostensivo para “reduzir a violência, a criminalidade e a insegurança”. A permanência da equipe ocorre mediante delimitação de um período específico, em casos isolados.

O MJSP enviou 100 agentes da Força Nacional ao local. Segundo a publicação, o contingente a ser disponibilizado obedece ao planejamento definido pela Coordenação-Geral de Planejamento e Operações da Força Nacional, atendendo a pedidos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

A publicação ocorre dias após ataques no assentamento Jacy Rocha, na cidade de Prado. Segundo o Ministério da Agricultura, oito pessoas ficaram feridas em uma ação ocorrida na madrugada de 28 de agosto. Casas foram destruídas e mais dois lotes, um trator e uma moto foram incendiados. O caso está sob investigação da Polícia Federal.

De acordo com o Ministério, a portaria visa “impedir que novos ataques aconteçam”.

“A meta do governo federal é garantir aos assentados da reforma agrária a titulação da terra onde vivem e produzem sem prejuízo no acesso às ações e benefícios específicos da reforma agrária. Com a posse definitiva do lote, os beneficiários terão direito a acessar todas as políticas públicas destinadas aos pequenos produtores rurais”, informou o Mapa.

Incra desmobiliza acordo com assentamentos, diz MST

A criação do assentamento Jacy Rocha foi noticiada em 30 de abril de 2015, pelo governo da Bahia. O espaço nasceu após a abertura das porteiras da Fazenda Colatina, quando agricultores familiares de Prado tomaram posse de cerca de quatro mil hectares de terra, onde foram assentadas 227 famílias.

A propriedade havia sido ocupada em abril de 2010, de acordo com o MST. A Fazenda Colatina era um antigo latifúndio de eucalipto.

Segundo o governo da Bahia, o Jacy Rocha foi o primeiro assentamento surgido após uma negociação entre o poder executivo estadual, movimentos sociais, empresas de celulose e o Incra. À época, tratava-se da primeira etapa de um processo de aquisição de terra e emissão de posse para a criação de assentamentos.

Ao longo dos anos, o espaço ganhou uma escola e abriu um projeto de agroecologia.

A previsão era disponibilizar 30 mil hectares no estado, pertencentes a empresas de celulose que operaram no local, a Suzano Papel e Celulose e a Fibria S/A. As companhias haviam ofertado a Fazenda Colatina e mais outras duas fazendas, segundo o governo da Bahia. De acordo com o MST, as companhias detinham, na época, 1 milhão de hectares.

No entanto, Jacy Rocha é hoje um dos nove assentamentos ameaçados nos dois municípios, cinco deles no Prado. Segundo o MST, apesar de os assentamentos terem avançado na legalização, ainda falta um documento que o Incra precisa ceder: o Contrato de Concessão de Uso (CCU), registro cedido às famílias que residem na área de reforma agrária, contendo cláusulas com direitos e obrigações.

O Incra diz que criou uma força-tarefa para acelerar o processo de titulação nos assentamentos desses dois municípios, mas o MST conta uma versão diferente. Segundo um integrante do MST da Bahia, que não quis se identificar, o Incra tem atuado para desmobilizar os acordos firmados com os assentamentos.

“O Incra, juntamente com as oligarquias da região, tem feito o contrário. Tem entrado nos assentamentos e falado que o título mudou, que eles vão conceder agora o TD, que é o Título Definitivo, que inclusive dá ao assentado o direito de vender a terra. Só que agora o Incra lançou um vídeo em suas plataformas falando que o título que eles estão dando é o de concessão de uso. Então, a gente percebe que eles estão criando um caos político dentro do assentamento”, afirmou. “Eles querem retomar o domínio político dos assentamentos.”

Em vídeo publicado nas redes sociais, o MST afirma que o governo do presidente Jair Bolsonaro tem utilizado a estrutura do Incra para intimidar assentamentos da reforma agrária.

O movimento também diz que há uma “quadrilha especializada” na Bahia que atua nesses espaços, possuindo informações e documentos que somente o Incra e o governo detêm. Os principais alvos seriam os assentamentos dos municípios de Prado, Mucuri, Iramaia e Vitória da Conquista, diz a organização.

Segundo o MST, essa quadrilha chega às áreas dos assentamentos e diz que todos têm direito a vender as terras. A intenção seria de, junto ao Incra, causar “desordem” entre as famílias.

“Ela [a quadrilha] está sendo financiada pelas oligarquias e pelos grandes fazendeiros”, diz vídeo publicado pelo MST na internet. “Em contrapartida, o Incra, que é o órgão que deveria zelar pelas áreas de reforma agrária, tem entrado nos assentamentos sem identificação, escoltados pela força policial pesada e sem qualquer diálogo com algum representante legal.”

https://www.facebook.com/MovimentoSemTerra/posts/4384074244998589

Família suspeita de envolvimento em crime foi recolocada no assentamento pela Polícia, diz MST

O episódio no assentamento Jacy Rocha também tem relação com uma família suspeita de envolvimento com tráfico de drogas, que morava na área, segundo o movimento.

Em nota, o MST diz que, em 27 de agosto, o assentamento foi “surpreendido” pela Polícia Militar, que teria chegado fortemente armada para escoltar o superintendente do Incra na Bahia, Paulo de Emmanuel Macedo de Almeida Alves. O MST acusa a PM de entrar em área de competência da Polícia Federal “sem apresentar comprovação que embasasse a extrapolação da competência”.

Na ocasião, de acordo com o movimento, a operação “entrou e colocou no lote uma família que tem relação direta com o tráfico de drogas”.

Segundo ata de Assembleia Geral do assentamento, à qual CartaCapital teve acesso, os integrantes do MST decidiram expulsar da área, com aprovação unânime, um casal de associados em 31 de julho de 2019. A exclusão foi motivada por infrações de quatro itens no estatuto do movimento.

Os itens infringidos, de acordo com o documento, foram: não residir com a família no assentamento, após a conclusão das moradias; a ausência por mais de 30 dias do assentamento, sem autorização ou motivo justificado; porte de arma de fogo no assentamento; não comparecimento por três dias de trabalho coletivo consecutivo ou seis dias alternados, durante o mês, sem motivos justificados.

O casal teve a oportunidade de se defender na Assembleia, mas se recusou a assinar o recebimento da circular, diz a ata.

Segundo integrante do MST que não quis se identificar, a família expulsa retornou ao assentamento em 27 de agosto, com a Polícia Militar, trazendo mais 13 pessoas. Em seguida, a coordenação do assentamento teria reiterado à família sobre a decisão da exclusão.

“No mesmo dia em que foram pedidos para sair, duas casas pegaram fogo. E aí, estão colocando a culpa na gente. Mas a gente tem certeza que foram eles que colocaram fogo para produzir um caos político e para a polícia aparecer no assentamento.”

Segundo o MST, a polícia tem dado suporte a “pessoas que estão causando o terror” nos assentamentos. O movimento diz que está protocolando uma denúncia contra a família.

Em nota à imprensa, o Incra diz que adotará as providências necessárias se houver comprovação de beneficiários da reforma agrária no crime.

“Em respeito às famílias dos nossos assentados que vivem no local e para assegurar a defesa ao patrimônio público, caso fique comprovado o envolvimento de beneficiários da reforma agrária no crime, o Incra adotará as providências administrativas e judiciais necessárias – respeitando o devido processo legal – a fim de promover o cancelamento dos contratos de concessão de uso dos assentados envolvidos e a exclusão dos mesmos no Programa Nacional de Reforma Agrária, independente das demais medidas legais eventualmente cabíveis contra os acusados”, diz nota.

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