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SPTrans não divulga política de privacidade do bilhete único

O sistema de bilhete único paulistano não se compromete publicamente com a privacidade do usuário

SPTrans não divulga política de privacidade do bilhete único
SPTrans não divulga política de privacidade do bilhete único
Os dados cadastrais do bilhete único podem agora ser cruzados com o registro de locomoção do usuário, acrescido dos dados de identificação facial das câmaras instaladas nas catracas dos ônibus
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Para se cadastrar no novo sistema de bilhete único da SPTrans, o usuário deve fornecer nome, sexo, estado civil, uma foto, número do RG e número do CPF, além do endereço residencial. Esses dados cadastrais podem agora ser cruzados com o registro de locomoção do usuário, acrescido dos dados de identificação facial das câmaras instaladas nas catracas dos ônibus. Apesar disso, a empresa de transporte público da cidade de São Paulo tem se omitido de divulgar sua política de proteção dos dados pessoais coletados.

Como bem observa o coletivo Intervozes, em artigo publicado em CartaCapital, o bilhete único funciona de maneira eficiente para o usuário de transporte público, mas pode servir de instrumento para o cerceamento de direitos e para a vigilância em massa. Além de coletar dados pessoais, o sistema de bilhete único é capaz de rastrear os trajetos e o horário em que as pessoas circulam pela cidade.

Marina Cardoso, integrante do coletivo Intervozes e autora do artigo, afirma que a transparência no tratamento dos dados recolhidos pelo bilhete único é fundamental para garantir o direito à privacidade. Ela observa que “sem transparência na coleta de dados, o cidadão não consegue se defender ou questionar, por exemplo, se ele é realmente obrigado a fornecer dados para ter acesso a um serviço público de transporte”.

Cardoso ressalta ainda que o sistema de reconhecimento facial que já está em fase de implantação em algumas linhas de ônibus torna mais urgente a necessidade de transparência, já que as câmeras instaladas registram imagens do rosto de todos os usuários de transporte público e, salienta, “até mesmo daqueles que não utilizam o bilhete”.

Segundo a assessoria de imprensa da SPTrans, o sistema de reconhecimento facial serve para prevenir fraudes no uso do bilhete por permitir a verificação de que a pessoa que está fazendo uso do bilhete na catraca é a mesma pessoa titular do cartão. Para isso, o sistema cruza a foto e os dados pessoais cadastrados com o registro fotográfico realizado na hora. Se a validação dos dados for negativa, o cartão do passageiro é bloqueado.

O Observatório da Privacidade e Vigilância requereu informações sobre a finalidade e o tipo de tratamento de dados realizados pelo sistema de Bilhete Único por meio da lei de acesso à informação. Em resposta, a SPTrans informou que, além dos dados cadastrais, são coletados dados relativos a cada viagem, como ID do cartão, data, hora, número do veículo, número da linha, forma de pagamento e valor debitado. Estes dados ficam armazenados geralmente por um período de três meses em servidores em um data center, que possui as certificações SAS70 e SSAE16 – dois dos principais padrões internacionais de certificação de segurança no tratamento de dados pessoais.

A SPTrans informou também que os dados são cifrados e transmitidos por meio seguro ao Data Center, que não há cruzamento com outras bases de dados e que nenhum tratamento de dados é feito por terceiros. Segundo a empresa, os dados são usados para geração de relatórios de uso interno. Dados quantitativos (anônimos) extraídos por meio de relatórios são publicados no portal transparência para acesso público, mas a SPTrans garante que em nenhum relatório constam dados privados dos usuários.

Nenhuma destas informações, porém, está disponível para o usuário e em nenhum documento público a empresa se compromete em proteger a privacidade. Não há, por exemplo, nenhuma informação ou compromisso da empresa com a privacidade dos dados no Termo de Adesão e Ciência das Condições de Uso do Bilhete Único com o qual o cidadão precisa concordar para se cadastrar no sistema da SPTrans.

Cardoso ressalta que a dificuldade de acesso a informações sobre o que é coletado e como é processado o que é coletado dificulta que o cidadão dê o seu “consentimento expresso” para o uso de dados pessoais — condição necessária para atender os padrões internacionais de boas práticas de proteção à privacidade.

A assessoria de imprensa da SPTrans informou ainda que existe uma política de privacidade “que garante sigilo para todos os dados pessoais de cada usuário do sistema de transporte público”. Quando o Observatório da Privacidade e Vigilância solicitou uma cópia do texto da referida política de privacidade, bem como pediu informações sobre a sua divulgação, a assessoria de imprensa da SPTrans deixou de responder nossas tentativas de contato.

O Observatório da Privacidade e Vigilância é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (GPoPAI-USP) que monitora ações do Estado e de empresas que tenham impacto sobre a privacidade dos cidadãos.

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