Saúde
O contágio da Covid-19
Da mesma forma que diante das leis, nem todos são iguais na transmissão do coronavírus


Numa igreja de Washington, dos 61 participantes do coro, 53 foram infectados por um único cantor com sintomas da Covid-19. Em Cingapura, ocorreu um surto que infectou cerca de 800 trabalhadores migrantes, num dormitório. Surtos epidêmicos semelhantes foram descritos em shows musicais, frigoríficos, restaurantes, hospitais, prisões e em instituições de longa permanência para idosos, estabelecimentos que contribuíram com mais da metade das mortes nos países europeus e ao menos 30% das que aconteceram nos Estados Unidos.
Em artigo para a revista Science, Kai Kupferschmidt, analisou as epidemias dos coronavírus causadores da SARS e da MERS, que também se disseminaram principalmente entre os contatuantes. Entender as circunstâncias em que ocorrem essas infecções em grupo é crucial para reduzir seu impacto na disseminação do novo coronavírus. A discussão tem se concentrado no número médio de novas infecções que cada paciente é capaz de causar (R). Sem medidas de isolamento social, o R é, aproximadamente, igual a 3, isto é, cada infectado transmite o vírus para mais 3.
O problema é que esse número traduz a média das novas infecções, mas na prática algumas pessoas transmitem mais, enquanto outras simplesmente não o fazem. O virologista Lloyd-Smith, da Universidade da Califórnia, afirma: “O padrão mais consistente é aquele em que o valor de R é igual a zero. A maioria das pessoas não transmite”.
“Que importa a paisagem…? O que eu vejo é o beco” (Manuel Bandeira)
Por essa razão, os epidemiologistas calculam o fator de dispersão (índice k), que caracteriza como a doença forma grupos (clusters) de infectados. Quanto mais baixo o k, menor é o número de transmissores do vírus. Gabriel Leung, da Universidade de Hong Kong, defende que o novo coronavírus provoca uma concentração de clusters sugestiva de que um pequeno número de “supertransmissores” seja responsável por grande parte das infecções. Há estimativas de que apenas 10% dos infectados sejam responsáveis por 80% das transmissões. Essa heterogeneidade explicaria por que a doença não se espalhou pelo mundo imediatamente depois dos primeiros casos na China.
Não está clara a razão pela qual os coronavírus formam esses clusters de infectados. É possível que esteja ligada não só à concentração viral nas gotículas eliminadas ao falar, tossir ou espirrar, mas à capacidade de formar aerossóis que podem permanecer dispersos no ar o tempo suficiente para provocar infecções múltiplas. Em vários dos clusters descritos, as transmissões parecem estar ligadas a esses aerossóis.
Caraterísticas individuais ajudam a explicar a existência de supertransmissores. Um estudo de 2019, conduzido entre pessoas saudáveis, mostrou que algumas eliminam mais gotículas enquanto falam (provavelmente, por falar mais alto), e que cantar libera mais gotículas. O comportamento também influencia, na medida em que a falta de higiene das mãos, lugares fechados e os contatos sociais aumentam a probabilidade de transmissão.
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