Cultura

Café filosófico

Interromper um debate para se autopromover não é só falta de respeito com o autor convidado, mas também uma forma de mostrar deficiência cultural

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Nem sempre se consegue estar atualizado, conhecendo tudo que acontece ao redor da gente. Já nem se pode falar de inteiramente atualizado porque isso é impossível. Principalmente neste que passou a ser chamado de o século da informação. Não só em feiras de livros, mas também nelas, tem-se ouvido muito falar em Café Filosófico, Salão de Ideias, Café Literário, tudo mais ou menos com o mesmo formato, mas algumas pessoas conseguem ver apenas um microfone aberto e uma oportunidade de se expressar. A coisa não é bem assim. Há diferenças entre os encontros de propósitos científico-culturais, de acordo com os objetivos de cada um.

Corro o risco de ser acusado de ter produzido uma crônica didática, mas ela, em que pese a chatice, me parece necessária. Tenho visto muito equívoco envolvendo o assunto, aqui e acolá. Não que seja um especialista na área, mas aprendi que conferência não é palestra, tampouco palestra é aula e por aí em frente.

O Salão de Ideias é o espaço da interação autor/leitor. Dúvidas, observações, talvez até contestações cabem no Salão de Ideias. Dizem aqueles que conhecem sua gênese melhor do que eu que o Salão de Ideias foi uma criação da Câmara Brasileira do Livro para designar o evento em que, apresentado um autor, o público praticamente conduz a conversa de conformidade com sua curiosidade, de acordo com aquilo que deseja esclarecer. Um amigo meu chega a afirmar que só a CBL tem o direito de usar tal nome.

O Café Filosófico, originariamente, acontecia em um café na situação de informalidade que lhe é peculiar. Convidava-se alguém cuja assinatura aparecesse em algumas publicações, para esclarecer seus pontos de vista, para expor suas ideias a respeito de algum assunto de sua área. O autor fala, a plateia ouve. Só no final, as pessoas podem tirar suas dúvidas. Em resumo, o encontro tem um tema previamente definido. O Café Literário, por suposto, teria o mesmo formato do filosófico, mas com a literatura como matéria da exposição.

O que mais se vê, entretanto, é que o evento receba qualquer um dos títulos, sem nenhum critério. Pior ainda: é muito comum a intervenção de pessoas da plateia que, descobrindo um microfone, passam a encantar o público com teses políticas, exercícios filosóficos, homenagens ao autor, leitura de “pequeno texto de minha própria lavra”. O autor, aquele que atraiu o público por causa de sua obra, esse fica na constrangedora posição de plateia, mantendo, geralmente, um silêncio respeitoso em face do intruso.

A autopromoção, num momento desses, não é só falta de respeito em relação ao convidado, é também uma maneira de demonstrar deficiência cultural.

Se abordei esse assunto, foi porque ontem meu amigo Adamastor, tomando um cafezinho aqui em casa comigo, de repente afirmou, Ah, isso é tudo a mesma coisa. “Tudo a mesma coisa” é o que resulta numa geleia geral, num sincretismo cultural em que se perdem as noções de valores.

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