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Emissoras de TV próximas a Bolsonaro amenizam crise com saída de Moro

Canais como Record e SBT não tiveram como esconder os acontecimentos, mas deram aos fatos uma abordagem que reduz o tamanho do problema

Ministros ao lado de Jair Bolsonaro durante pronunciamento feito por ele por ocasião da saída de Sergio Moro - Foto: Carolina Antunes/PR
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Por Bia Barbosa, Ramênia Vieira e Vanessa Galassi*

O aprofundamento da crise política com o pedido de demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública foi retratado de maneira diversa para quem acompanhou os telejornais na noite de sexta-feira 24. Se na Globo, maior emissora do país, a demissão foi detalhada à exaustão, contribuindo para o desgaste do governo Bolsonaro, nos canais parceiros do Planalto, como Record e SBT, bem como na TV Brasil, que desde o golpe de 2016 sofre ataques à sua autonomia a ponto de se transformar, de pública, numa emissora chapa-branca, o tom foi bem mais ameno.

É cedo para dizer se a linha editorial dos canais vai mudar, mas nesta sexta pelo menos nenhuma saiu em defesa aberta de Bolsonaro contra os ataques de um ministro popular, que os meios de comunicação ajudaram a criar e que pode ser alçado ao status de candidato presidencial nas próximas eleições.

O Jornal da Record, por exemplo, ocupou pouco mais da metade da sua uma hora de duração relatando os pronunciamentos do Sergio Moro e do presidente Bolsonaro e mostrando as repercussões no país e na imprensa internacional do pedido de demissão do ministro da Justiça e da Segurança Pública, metade do tempo destinado pela Globo.

O telejornal abriu com nove minutos de trechos das declarações “do ministro mais popular de Jair Bolsonaro”. Em seguida, veio a matéria com as declarações feitas pelo Presidente da República, que “disse que nunca interferiu em investigações e acusou o ministro de usar o cargo para negociar uma vaga no Supremo Tribunal Federal”.

A Record destacou o fim do pronunciamento de Bolsonaro, no qual o presidente fala que sempre teve o povo brasileiro a seu lado, que Moro fez acusações infundadas, que tem “algo mais importante que biografia, que é o bem estar do povo e o futuro da nossa nação”, que não pode aceitar sua autoridade confrontada e que seguirá no combate à corrupção, dando, se necessário, seu sangue para defender a democracia e a liberdade.

Para contextualizar o tema, fez uma matéria mostrando que os desgastes de Moro com Bolsonaro começaram logo no início do governo, em 2019, e uma sobre possíveis nomes para substituir Moro e Valeixo. Num link ao vivo de Brasília, informou do pedido da Procuradoria Geral da República para que o Supremo investigue as declarações.

Numa narrativa cuidadosa, falou em “episódios que podem evidenciar crimes” e “lista de eventuais crimes”, mencionando obstrução da Justiça e corrupção passiva entre eles. No boletim econômico, relacionou a alta do dólar ao pedido de demissão de Moro. Mas não tratou dos pedidos de impeachment já protocolados contra Bolsonaro nem da relação da crise com as investigações da Polícia Federal envolvendo filhos do presidente.

Evitando narrativa mais decisiva, ao abordar os panelaços da tarde e as reações de juízes, governadores e do campo político, falou em “divisão de opiniões”. Nesse sentido, foi a única a trazer vídeos dos deputados bolsonaristas Carla Zambelli e Daniel Silveira, do PSL, com falas de apoio ao Presidente. “Foi um pronunciamento franco, claro e honesto, que tratou até de aspectos pessoais, de um homem que mostrou que tem zelo com o gasto público”, disse Zambelli na Record.

O único posicionamento mais direto da cobertura da emissora de Edir Macedo – apoiador de Bolsonaro de longa data – veio no comentário de um minuto do jornalista Augusto Nunes: “Moro disse: ‘mais importante de por quem trocar, é trocar por quê?’ O ministro observou a questão de modo pertinente, e só Bolsonaro sabe o suficiente para dar a resposta. (…) Seja qual for o desfecho da crise, é fundamental preservar a autonomia da instituição. A Constituição Federal estabelece a Polícia Federal como um órgão de Estado, não pode subordinar-se aos interesses de um governo muito menos às vontades de um governante”.

SBT

No SBT Brasil, foram cerca de 25 minutos da edição para falar da saída de Sérgio Moro. Destes, mais de 8 foram dedicados à versão do agora ex-ministro da Justiça. Nos oito blocos de fala, Moro abordou a acusação de interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal; disse que não assinou o decreto de exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo; acusou Bolsonaro de querer “alguém próximo” na PF para “colher relatórios de inteligência”; e declarou que o cargo de Ministro da Justiça não foi aceito por ele visando uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.

O arremate foi feito com passagem sobre a trajetória do ex-ministro, dando foco na Operação Lava Jato. “Moro ficou conhecido como juiz federal ao assumir os processos da Lava Jato na primeira instância da Justiça em Curitiba. Condenou 140 pessoas. Entre elas, o ex-presidente Lula, parlamentares, diretores da Petrobras e também empresários de grandes construtoras”, declarou o telejornal. Em seguida, Moro voltou à tela dizendo: “independentemente de onde eu esteja, sempre vou estar à disposição do país para ajudar”.

Logo após, o SBT Brasil levou ao ar a versão do Presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro teve cerca de cinco minutos de fala, com destaque aos trechos em que afirma autonomia para definição de cargos-chave do governo; que Valeixo queria deixar o cargo; em que nega interferência política na Polícia Federal; diz estar “decepcionado” com Moro; e afirma, ao contrário do que disse o ex-ministro, que Sérgio Moro esperava sim integrar a corte do STF.

Depois de 18 segundos para mostrar os protestos pelo “Fora Bolsonaro” em todo país, o SBT deu uma espécie de tréplica a Moro: “Pela internet, Sérgio Moro disse que a permanência do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para a nomeação dele, Moro, para o Supremo Tribunal Federal. Maurício Valeixo informou que não vai se manifestar, e afirmou que Valeixo estava cansado de ser assediado, desde agosto do ano passado, pelo presidente Jair Bolsonaro para ser substituído”, disse a âncora do telejornal.

O SBT Brasil trouxe ainda a notícia de que “o pedido de demissão de Sérgio Moro teve repercussão negativa em todos os poderes e instituições”, destacando, como a Record, o Procurador da República Deltan Dallagnol. No segundo bloco, o telejornal falou do pedido de investigação da PGR e disse que a OAB deve seguir a linha de Aras.

O SBT foi além e lembrou o caso da “rachadinha”, que envolve o deputado Flávio Bolsonaro, falou dos processos de apuração de fake news e ameaças na Internet sobre os ministros do STF, além da investigação sobre o patrocínio de “atos antidemocráticos como do último domingo, que pediu o fechamento do STF, do Congresso e uma intervenção militar”, colocando na tela imagens de Bolsonaro na manifestação realizada em Brasília.

TV Brasil

Na TV Brasil, emissora pública vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o telejornal noturno Repórter Brasil teve edição inclinada para a defesa de Bolsonaro. A TV, que não havia transmitido o pronunciamento de Sergio Moro durante a programação, postura diferente da que vem adotando quanto às transmissões de coletivas de ministros de estado, abordava então o caso que levou à nova crise política.

Logo no início, foi o discurso do Presidente o sumarizado por repórter em participação ao vivo. No primeiro texto lido pelo apresentador, o destaque foi dado à “prerrogativa da troca do diretor-geral ser do Presidente”, que teve dois trechos de sua fala apresentados. Entre eles, a repórter apareceu acompanhada de texto destacado que dizia, como havia ocorrido em sua primeira participação, em letras garrafais: “PRESIDENTE DIZ QUE É PRERROGATIVA DELE TROCAR DIRETOR-GERAL DA PF”.

A primeira fala de Jair Bolsonaro escolhida pela edição foi sobre a interação que o Presidente pode ter, segundo afirmou, com o primeiro escalão do Ministério da Justiça, não necessariamente com o ministro. Também foi destacado trecho do discurso em que Bolsonaro diz ser ele a autoridade máxima e que, como tal, poder, por lei, trocar o diretor-geral da PF.

A fala do Presidente incluiu o seu pedido de aprofundamento da investigação da facada sofrida durante as eleições de 2018, exemplo acompanhado da avaliação de que isso não seria interferência. Foi reproduzido ainda momento em que afirmou que a exoneração do diretor-geral Valeixo teria sido “a pedido”.

Invertendo a ordem cronológica dos fatos, na TV Brasil o ex-ministro Sergio Moro falou depois no Repórter Brasil, com falas ancoradas pela mesma repórter, ao vivo. O destaque foi a acusação de interferência política. Também foram citadas as tentativas anteriores do Presidente de influência na troca da superintendência da PF no Rio de Janeiro, conforme falado por Moro no pronunciamento.

Essa primeira parte do jornal durou cerca de sete minutos, ao longo dos quais não foram apresentados os tuítes feitos por Moro em resposta a Bolsonaro, que já haviam adquirido grande repercussão na internet.

Dando continuidade à cobertura, uma reportagem produzida por repórter da NBR e da Voz do Brasil, vinculadas ao governo e também produzidas pela EBC, mostrando mais uma vez a mistura entre as vertentes estatal e pública na empresa, fez um balanço da pasta do ex-ministro, trazendo conteúdo apresentado por Moro na coletiva, como o combate às drogas e outros temas.

Depois, foi lida pelo apresentador uma nota reportando pedido da PGR de abertura de inquérito para apurar os fatos, destacando que Moro deveria ser ouvido. Finalizando a repercussão do tema, outra nota destacou os impactos da saída no mercado financeiro.

CNN Brasil

A mais nova emissora de telejornalismo em atuação no país, a CNN Brasil, transita entre um jornalismo dócil ao Palácio do Planalto, como já abordado neste blog, e a busca por se apresentar como diversa. Nesse sentido, enfatizou que sua cobertura especial sobre o caso ouviu vários cientistas políticos, especialistas de mercado e políticos.

A possível maior diversidade de vozes, contudo, não se vê quando o quesito é o espectro político. Enquanto Dória também teve presença destacada na cobertura especial desta sexta, manteve-se a ausência de participação de lideranças da esquerda.

As reportagens da emissora não deixaram de apresentar narrativa ancorada na história de Moro na Lava Jato, sua posterior transformação em ministro e os conflitos que sucederam com Bolsonaro ao longo da cobertura, que fez o telejornal noturno também durar bem mais que o normal. Os trechos mais críticos, de ambos os lados, vieram em falas de comentaristas.

Segundo pesquisa da CNN, bem diferente do equilíbrio que as emissoras buscaram apresentar, nas redes sociais, palco frequentemente ocupado por Bolsonaro, 94% das publicações sobre o pronunciamento de Jair Bolsonaro eram contrárias ao Presidente, 4% eram positivas e 3%, neutras.

Pesquisa da XP Investimentos feita entre quinta e sexta mostrou o impacto da saída de Moro. Questionados sobre a expectativa com o governo Bolsonaro, 49% dos entrevistados afirmaram que o restante do mandato será ruim ou péssimo, enquanto 18% disseram que será bom e ótimo e 25%,  regular. 9% disseram não saber ou não responderam.

A briga está aberta e o futuro segue indefinido. Nesse processo, o papel da mídia será relevante, ainda mais em um momento em que, em quarentena, boa parte da população acompanha os acontecimentos pelas múltiplas telas e espera por soluções rápidas para crises que, concretamente, podem significar a morte de milhares de brasileiras/os.

*Bia Barbosa, Vanessa Galassi e Ramênia são jornalistas e integrantes do Intervozes.

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