

Opinião
Tirar Bolsonaro não basta. É preciso restaurar o mínimo das regras
Não existe nenhum chefe de governo se portando de modo parecido ao do ex-capitão ou falando as mesmas idiotices


O Brasil pode fazer pouco para resolver o problema global, que ultrapassa a nossa capacidade isolada. Ainda que tivéssemos condições de lhe oferecer a melhor resposta possível, seus elementos mundiais sufocariam ações nacionais. Passou da hora de decretar o bloqueio radical de nossas fronteiras, algo que, muito provavelmente, seria inútil e, na prática, inexequível. Na economia, simplesmente não há saída estritamente interna, em qualquer prazo razoável. No máximo, podemos (e devemos) participar da luta global contra a doença e suas consequências sanitárias, sociais e econômicas.
O segundo problema só preocupa a nós, pois, ainda bem, Bolsonaro é uma excrescência brasileira, uma espécie de jabuticaba podre. Não existe nenhum chefe de governo se portando de modo parecido ao do ex-capitão ou falando as mesmas idiotices. Seu mestre e guia, por exemplo, está à sua frente algumas léguas, pois, se há alguma coisa que Donald Trump não deseja é chegar à eleição com cara de palhaço.
O componente brasileiro da tempestade precisa ser resolvido rapidamente e depende somente de ações ao nosso alcance. Quanto mais cedo forem implementadas, melhores serão as nossas condições para lidar com o componente global e o modo como ele nos atinge.
Tirar Bolsonaro do governo é imperioso e urgente, mas não é tudo. Tão importante quanto isso (ou mais) é fazê-lo no bojo de uma ampla restauração democrática, na qual repensemos o que somos e o que queremos ser como sociedade, economia e política.
Não se trata, portanto, de apenas trocar seis por meia dúzia, Bolsonaro pelo vice, por exemplo, por motivo de saúde ou simples ato de renúncia. É preciso mais que uma troca de guarda palaciana, ainda que fosse (como provavelmente seria) para melhor, em termos humanos e intelectuais.
Depois da estupidez da terça-feira 24, com seu pronunciamento burro e irresponsável, remover Bolsonaro do centro político nacional passou a ser urgente. O que mais fará daqui em diante? Que novas e perigosas imbecilidades dirá ao País? Que mal ainda provocará?
Por menor que seja, o ex-capitão ainda conta com o aplauso de uma parcela da opinião pública. Certamente, está aquém dos 30% que lhe dão pesquisas feitas por telefone, a partir de amostras não representativas da população, mas continua a ser grande. Como, na maior parte dos casos, se trata de gente que o considera um “mito”, alguns arriscando-se a ir à rua e expondo quem estiver em casa. De perigo limitado a quem insiste em tocá-lo, o capitão agora se tornou uma ameaça concreta para o Brasil inteiro.
O modo de fazer a higienização do Palácio do Planalto não está pronto e definido. Algumas coisas são, no entanto, claras. Em primeiro lugar, que não pode representar uma ruptura ainda mais radical com a democracia. Conhecemos o destino ao qual chegamos por meio de desvios autoritários.
Segundo, existem caminhos institucionais para lidar com momentos extra- ordinários, por meio da participação ampla de atores de dentro e de fora do sistema político, com o único compromisso da adesão à Constituição e aos valores democráticos. Congresso, Judiciário, movimentos sociais, organizações representativas e entidades de classe precisam inventar como fazê-lo.
Terceiro, nessa mesa uma pessoa não pode faltar: Lula. Goste-se ou não do ex-presidente (a parte da sociedade que gosta dele é muito maior que a inversa), ele é a principal liderança brasileira, a única que a maioria da população conhece, respeita e admira.
É preciso encerrar a temporada de perseguição e guerra contra Lula, que culminou na tempestade que atravessamos, com Bolsonaro à frente do País em um momento trágico. Que o Supremo cumpra com sua obrigação de corrigir o que gente da laia de Sérgio Moro e companhia fez, devolvendo-lhe a inocência e os direitos políticos. Que Lula esteja sentado à mesa para participar da discussão do Brasil pós-Bolsonaro e desse pós-neoliberalismo de opereta, ensandecido e incompetente.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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