

Opinião
A guerra do fim do mundo está aí e temos um líder de gibi
Nossa arma nessa guerra insana é o álcool gel, a água que sai da torneira e o sabão. E um Recruta Zero no comando


Quando nasci, a Segunda Guerra Mundial já tinha terminado há cinco anos, mas o cheiro de pólvora continuava no ar. Dez anos depois do seu fim, em 1955, eu ainda sem saber ler, ouvia minha mãe contar histórias da penúria que as pessoas passaram naqueles anos, inclusive dentro da nossa casa. A comida era escassa, faltavam grãos, verduras, legumes e frutas. Não era fácil criar os filhos que vinham chegando.
Ela contava que o racionamento de gasolina imposto pelo governo, obrigou o meu avô a instalar o gasogênio em seu Studebaker preto. Ela dizia também que viu, pela primeira vez na vida, uma pessoa cortar uma banana ao meio para comer a metade de manhã e a outra metade no final da tarde.
Cresci e vi muitas guerras. De longe, vi israelenses e palestinos se matando na Faixa de Gaza e também a briga entre russos e americanos, uma guerra fria. Menino ainda, tinha medo de que o presidente americano ou o russo, quem sabe, apertasse o tal botão e o mundo explodisse, virasse cinzas como Hiroshima virou.
Lembro-me da Guerra do Vietnã, da Guerra da independência de Angola, de Moçambique, a Guerra do Yom Kipur, a Guerra dos Seis Dias, a Guerra Irã-Iraque e a Guerra do Golfo.
Lembro-me da revolução cubana, da luta dos sandinistas na Nicarágua, do Sendero Luminoso no Peru, dos Tupamaros no Uruguai, dos Montoneros na Argentina. Vi a batalha dos estudantes nas ruas das metrópoles da América do Sul, vi a democracia desmoronando por aqui, bem perto da gente.
A guerra que vi mais de perto foi na metade dos anos 1970, quando passei 45 dias no Líbano e o cerco israelense foi fechando. Dormi ao som de bombardeios, percorri as ruas de Beirute observando soldados em posição de ataque, atrás de sacos de areia em cada esquina.
Vi aeroportos fechados e multidões carregando seus mortos pelas ruas afora na primeira página do L’Orient-Le Jour, o único jornal que conseguia ler.
Na escola, estudei a Guerra de Troia, a Guerra do Peloponeso, a Guerra dos Cem Anos, de Sucessão, Guerra dos Farrapos, dos Canudos, Guerra do Chaco, Guerra da Coreia, Guerra da Argélia, guerras Napoleônicas, tantas guerras.
A guerra que vivemos hoje é diferente de todas essas aí. O inimigo não chega em tanques, disparando canhões, em bombardeios aéreos, não há soldados armados em trincheiras, nem mesmo aqueles exocets que vimos pela primeira vez em imagens esverdeadas e ao vivo na televisão.
O inimigo invisível, microscópico, é traiçoeiro e ataca em todas as partes do mundo. Da China aos Estados Unidos, da Itália à Índia, passando pela Espanha, Portugal, Alemanha, Japão, Rússia e chegando ao Brasil, a São Paulo, ao Rio, ao interior de Minas Gerais, do Piauí, do Ceará, do Pará, do Maranhão.
Somos todos soldados desarmados enfrentando o inimigo cruel. Não vai ter bombardeio, não vai ter bomba atômica fazendo cogumelo no céu, não vai ter o sangue dos mortos por tiros, nem aquele botão sendo acionado.
Nossa arma nessa guerra insana é o álcool gel, a água que sai da torneira e o sabão que esfregamos nas mãos. E um Recruta Zero no comando das operações.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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